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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A PRÁTICA DOCENTE CRÍTICO-DIALÓGICA
UILSON DA SILVA OLIVEIRA
ORIENTADOR(A):
Prof. Vilson Sergio de Carvalho
SALVADOR
2008
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A PRÁTICA DOCENTE CRÍTICO-DIALÓGICA
UILSON DA SILVA OLIVEIRA
Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em Docência do Ensino Superior
Salvador
2008
AGRADECIMENTOS
A Deus, minha esposa: Simone Oliveira, Rafael, Alice e Maria Cecília Oliveira.
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia, a minha esposa, meus três filhos, e colaboradores: direção da Universidade Cândido Mendes – Instituto A Vez do Mestre, na pessoa do meu professor-orientador, bem como aos funcionários e todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram com o meu desempenho.
RESUMO
Esta monografia, quando intitulada de: A Prática Docente Crítico-Dialógica, quer mostrar que existe uma prática docente no Ensino Superior, que ainda não alcançou o nível “desejável” de criticidade e dialogicidade no espaço sala de aula. Partiu-se da premissa de que o mundo globalizado requer pessoas críticas na ocupação dos espaços sociais. Assim, entendeu-se que o espaço educativo é um desses lugares que precisa ser satisfatório ante os desafios da sociedade contemporânea. Daí a ideia de junção do binômio crítico-dialógica à prática docente no sentido de ampliar o olhar crítico deste profissional para outros ângulos –, de onde advêm os olhares de outros sujeitos a interagir. Para tanto, se buscou situar o educador a partir da definição e conceitos mais precisos do que seja educação, tomando por base o contexto político das décadas de 1960/1970, consequentemente, seu fluxo de influência normativa e política ao Ensino Superior atual.
METODOLOGIA
A pesquisa adotada neste trabalho, foi a bibliográfica. Por conseguinte, os passos dados, foram na consecução e leitura de livros, artigos de jornais e alguns sites da Internet. Tais documentos foram registrados em fichas próprias, sendo posteriormente citados no trabalho.
Para a confecção desta monografia, foram eleitos diversos autores, porém, com destaque ao educador Paulo Freire, principal interlocutor sobre a temática em evidência. As buscas às fontes recaíram, em grande parte, sobre as obras mais recentes, porém, foram consideradas aquelas de notável importância teórico-científica. Buscou-se, portanto, valorizar a originalidade, a autenticidade, a clareza e a fidelidade às fontes citadas e a correlação destas com o desdobramento do tema.
Constatou-se de que existem deficiências no processo ensino-aprendizagem, por conta de que a formação do professor tem sido inadequada em virtude de sua formação tradicional ou pela ausência de requisitos que o habilitaria, necessariamente, para a docência. Deficiências estas que se refletem em sala de aula, visto que nessas condições, esse profissional, quase sempre, não domina as ferramentas da Didática.
As situações diversas e adversas se confirmam no modelo de aula, na forma de avaliação, na ausência de participação democrática do aluno no planejamento de ensino, na política de currículo, na ausência de participação do aluno e até do professor no projeto político-pedagógico, e ainda, no distanciamento de uma pedagogia crítico-dialógica. Portanto, é acreditável que esta última possa ser capaz de nortear os destinos da educação a um nível muito mais elevado do que o atual.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE 11
1.1 – O que é a prática docente crítico-dialógica no ensino superior? 11
1.2 – O ensino superior, educação e educação crítico-dialógica 13
1.3 – O docente crítico-dialógico no ensino superior 16
1.4 – O discente no ensino superior 20
1.5 – Breve contexto histórico-politico da educação no Brasil – 1960/70 22
1.6 – Breve enfoque: o docente e a legislação no ensino superior atual 24
CAPÍTULO II
MULTIDIMENSÕES PEDAGÓGICAS 27
2.1 – A pedagogia e a concepção andragógica 27
2.2 – A didática: aspectos multidimensionais 31
2.3 – O processo ensino-aprendizagem 34
2.4 – A tríplice dimensão comunicativa – visão psicanalítica 36
2.5 – A relação professor-aluno significativa e autônoma 39
2.6 – A sala de aula: espaço de conflito e de quebra de paradigmas 42
2.7 – A apropriação do conhecimento 45
2.8 – A avaliação do aluno na sala de aula 46
CAPÍTULO III
PROPOSIÇÕES SIGNIFICATIVAS 50
3.1 – Concepção “bancária” de educação e a educação problematizadora 50
3.2 – A formação profissional do docente 52
3.3 – O “currículo oculto” e o currículo oficial frente ao saber do aluno 53
3.4 – Os níveis do planejamento 55
3.5 – A avaliação e sua tríplice dimensão 55
3.6 – A perspectiva dialógica em Freire e a interdisciplinaridade 57
3.7 – Aspectos coadjuvantes à prática docente crítico-dialógica 59
3.7.1 – Identidade do docente 59
3.7.2 – Integridade do docente 62
3.8 – Uma visão “holística” do ser humano 65
Bibliografia 68
Anexos 72
INTRODUÇÃO
Discutir sobre a Docência do Ensino Superior no âmbito da sala de aula, certamente, não é algo novo, entretanto, faz-se importante sinalizar que os enfoques atribuídos sobre a discussão temática, ora em evidência: as proposições significativas e indicativas de uma educação crítico-dialógica, constituem-se num desafio a ser considerado neste trabalho acadêmico.
No entanto, uma questão já se faz necessária: Quais proposições podem aproximar ou distanciar a Docência do Ensino Superior de uma pedagogia crítica no âmbito da sala de aula? É nessa linha de raciocínio que se buscará identificar as proposições pedagógicas norteadoras de uma educação criadora, libertadora e transformadora, tendo como ponto de partida a Didática e o seu desdobramento: o processo ensino-aprendizagem, a comunicação, a relação professor-aluno e a apropriação do conhecimento no que se referem à criticidade e a dialogicidade. Por outro lado, propor mudanças de paradigmas que levem o professor a refletir a sua prática pedagógica, bem como propor mudanças de paradigmas que levem o aluno a refletir e a assumir uma nova postura diante da realidade educacional e social vigentes.
Parte-se do pressuposto de que a Docência do Ensino Superior pode contribuir para formar cidadãos críticos, interativos, criativos, autônomos e mais humanos, capazes de tomar decisões significativas não só na sala de aula, mas além dela. Portanto, este estudo tem por base a compreensão da educação como instrumento de conscientização crítica. Para tanto, buscar-se-á a inter-relação crítico-dialógica do processo ensino-aprendizagem, tomando por norte a tríplice dimensão comunicativa entre: aquele que fala – aquilo que se fala – e, aquele que recepciona a fala no ambiente da sala de aula.
Este trabalho monográfico não se prende à questão do fazer didático-pedagógico, no que tange aos recursos didáticos e às novas tecnologias, nem mesmo a manipulação destes. Isto seria proposta para outro estudo; aqui interessa refletir sobre a prática docente no sentido de que ela seja mais crítica e mais dialógica no âmbito da sala de aula, porém, levando em consideração a importância do planejamento de ensino, o currículo e o projeto político-pedagógico.
Num segundo momento, focalizou-se o foco da discussão temática sobre o desdobramento didático da educação crítico-dialógica no Ensino Superior. Consequentemente na prática docente em seus aspectos didático-pedagógicos e andragógicos, bem como na relação significativa do professor para com o aluno no espaço sala de aula, e da avaliação resultante dessa aproximação considerada relevante para a construção do conhecimento.
Num terceiro momento, levantou-se algumas proposições entendidas como significativas à prática docente, identificadas como sendo de distanciamento e/ou de aproximação de uma pedagogia crítica. Nesse intento, nomeou-se a concepção “bancária” de educação e a educação problematizante em Paulo Freire. Por conseguinte, destacou-se a formação do educador, questões curriculares, o planejamento educacional, a perspectiva dialógica concomitante com a perspectiva interdisciplinar, como sendo este o ponto culminante em resposta à educação acrítica, portanto, antidialógica. Como exemplo foi destacado a problemática que envolve os cursos de Direito frente a OAB.
Em fim, ainda se destacou, aspectos coadjuvantes, capazes de situar o docente na localização de sua identidade e integridade. Não dispensando a este a visão holística do homem enquanto ser antropológico. Espera-se que o leitor ou interessado na temática, por sua vez, também possa investigar e sugerir outras compreensões acerca da prática docente, como forma de expressão participativa desse novo olhar para o bem maior, – a educação.
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE
A tarefa dos educadores não é a de ensinar conhecimentos fundamentais, mas colocar as pessoas em circunstancias favoráveis que lhes permitam descobrir aquilo que elas devem saber. (Gruber).
1.1 – O que é a prática docente crítico-dialógica no ensino superior?
Quando se fala neste estudo de prática docente crítico-dialógica no âmbito do Ensino Superior, quer dizer-se aqui algo mais se referindo à prática docente convencional no que tange ao processo ensino-aprendizagem no ambiente sala de aula. O binômio vem apenas dar uma caracterização a uma prática educativa que já existe, porém, deve estar delineada na relação professor-aluno na extensão da criticidade e da dialogicidade.
Com essa junção de termos, cabe, tão logo, um questionamento: os educadores do Ensino Superior têm levado em consideração a sua prática docente em sua extensão crítico-dialógica mais ampla? Responder a essa pergunta-chave, certamente envolve juízos de valor, e pode até significar, ainda, um convite não só ao vir-a-ser, mas um constante rever a sua prática docente para o ser-mais, isto é, ser além daquilo que já é. Aqui importa ao docente assumir uma postura filosófica também como alguém que se refaz, se reconstrói enquanto sujeito do processo educativo e enquanto cidadão do mundo.
A prática docente crítico-dialógica como sendo o exercício do magistério em sala de aula, neste trabalho acadêmico, não aponta para os acontecimentos práticos resultantes das ações ligadas à competência técnico-didática do docente, porém, aponta para a faculdade que tem o docente de poder identificar-se não como mero professor, mas como aquele que pode ser melhor. Nesse sentido, Augusto Cury (2003), relaciona e comenta um interessante paralelo dos sete hábitos dos bons professores e dos professores fascinantes, os quais se harmonizam com a prática docente crítico-dialógica:
“Bons professores são eloqüentes, professores fascinantes conhecem o funcionamento da mente. Bons professores possuem metodologia, professores fascinantes possuem sensibilidade. Bons professores educam a inteligência lógica, professores fascinantes educam a emoção. Bons professores usam a memória como depósito de informação, professores fascinantes usam-na como suporte da arte de pensar. Bons professores são mestres temporários, professores fascinantes são mestres inesquecíveis. Bons professores corrigem comportamentos, professores fascinantes resolvem conflitos em sala de aula. Bons professores educam para uma profissão, professores fascinantes educam para a vida” (CURY, 2003, p. 51-79).
Portanto, o que se pretende observar na prática docente, diz respeito a fatores que possam influir logicamente por meio do diálogo, numa perspectiva crítico-interativa entre docentes e discentes no espaço sala de aula. Como se percebe, a prática docente para ser considerada crítica e dialógica, precisa ser inclusiva de fundamentos teóricos existentes, como também, aglutinadora de novas teorias que vão surgindo e sendo testadas e vinculadas à educação criadora, libertadora e transformadora. Como tal, ela só deverá ser excludente daquelas teorias que não deram certo e estão descontextualizadas de uma educação moderna, e que a final, só tem uma utilidade: saber como era; e como não deve ser, além do mais, – servir de fonte para consulta histórica, a fim de que os erros do passado não se propaguem no presente e no futuro.
1.2 – O ensino superior, educação e educação crítico-dialógica
O Ensino Superior é o mesmo que Educação Superior ou Educação Universitária em todos os seus níveis, desde as diversas graduações aos diversos cursos de pós-graduação.
Este por sua vez, no Brasil, tem sido caracterizado pelo ensino, pesquisa e extensão, além do que, é dele que advem os profissionais com maior grau de possibilidades de inserção no mercado de trabalho, tanto na iniciativa privada como no serviço público municipal, estadual ou federal.
Entretanto, faz-se importante, não só entender o Ensino Superior, mas entendê-lo na perspectiva de significados mais amplos, uma vez que a educação acadêmica é apenas um tipo de educação. Então, cabe a pergunta: o que é educação? Para que esta reflexão tenha a sua devida consistência em seu sentido temático mais abrangente, cabe pensar nas dimensões mais amplas do termo.
Inúmeros são os significados atribuídos ao vocábulo educação. O Dicionário da Língua Pedagógica de Paul Fouquié (1971), diz que além do sentido etimológico da palavra pelo verbo educar (educere), o latim traz a idéia de “conduzir para fora” – “ex-ducere” e ainda de eductio, “ação de fazer sair de” – termo criado por Spearman para designar o ato mental que consiste em esclarecer as relações existentes entre os dados da experiência (...).
Percebe-se, entretanto, que nessa significação está implícita a idéia de exteriorização – processo que se dá de dentro para fora por meio da razão; outro sentido que o verbo educar remete é da idéia de alimentar, nutrir. Movimento este que está em sentido contrário ao da exteriorização. Como se vê, não é fácil chegar a um consenso sobre o que é educação, pela própria dimensão subjetiva e objetiva que lhe é própria.
Do ponto de vista conceitual, John Dewey, psicólogo e pensador norte-americano que influenciou gerações de professores de todo o mundo nas décadas de 1940-1960, diz que:
“A educação pode ser definida como um processo de contínua reconstrução da experiência, com o propósito de ampliar e fundar o seu conteúdo social, enquanto ao mesmo tempo, o indivíduo ganha controle dos métodos envolvidos” (DEWEI, 1991, p. 400).
Entretanto, Moacir Gadotti (1998), no seu livro Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito, também expressa uma compreensão muito interessante sobre a educação. Ele diz:
“... a educação é obra transformadora e criadora. Ora, para criar é necessário mudar, perturbar, modificar a ordem existente. Fazer alguém progredir significa modificá-lo. Por isso a educação é um ato de desobediência e desordem; desordem em relação a uma ordem dada. É por essa razão que ela perturba, incomoda. É nessa dialética ordem-desordem que se opera o ato educativo, o crescimento espiritual do homem” (GADOTTI, 1998, p. 143).
Por outro lado, a educadora Ivone Boechat de Oliveira em sua obra Por uma Escola Humana, informa que Paulo Freire, entende a educação como uma resposta à finitude. O homem é o sujeito inacabado e busca realizar-se devendo ser o sujeito de sua própria educação.
“Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é educação sem refletir o próprio homem (1999:27)”. Freire ainda constata que existe “a educação como prática de domesticação” (OLIVEIRA, 2000, p. 60-61).
Segundo Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido (1987) o seu conceito de educação é o da educação problematizadora, – a qual busca o desenvolvimento da consciência crítica e da liberdade como meios de superar as contradições da educação tradicional. Educador e educando são, portanto, sujeitos de um processo em que crescem juntos porque “ninguém educa ninguém, ninguém se educa. Os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo”. Neste processo, os estudantes deverão assumir desde o início o papel de sujeitos criadores.
Vale salientar, portanto, que a educação crítico-dialógica, aqui entendida, se situa como a educação processual e deflagradora de processos, que tem como sustentáculo dialógico-interativo a crítica. Nessa perspectiva o homem é o sujeito que busca a sua completude, a sua integralidade nas dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e políticas, sem anular as suas crenças e convicções de sua própria gênese. Dimensões estas que se processam historicamente, possibilitando ao homem o seu crescimento espiritual. Nessa compreensão a educação pode ser processada pelo ato educativo também na sala de aula. É a educação focada, a priori, numa pedagogia crítica, a exemplo da ratificada pedagogia libertária freiriana, oposta a uma educação “bancária”, portanto, tradicional.
Por outro lado, se faz importante considerar a concepção que aponta Brandão (1996), em dizer que não existe uma educação, mas sim educações. Segundo este autor, “não existe um modelo único de educação, assim como a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor” (p. 9). Na sua compreensão a educação nada mais é do que “uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sociedade” (p.10). Brandão se refere ao fato de que a educação está presente nos mais diferentes âmbitos: na igreja, na escola, em casa, na rua, no clube, etc. Ela está formal ou informalmente nos mais diversos ambientes da vida humana. Neste caso a escola é apenas um dos ambientes onde ocorre um tipo de educação (a educação formal).
Brandão (1981) ainda diz:
“Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: Educação? Educações” (BRANDÃO, 1981, p. 7).
Por isso se pode dizer que a institucionalização da educação torna-a como um dos direitos fundamentais do homem, conforme consignado no art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos feita pela ONU. A Constituição Brasileira de 1969 estabelecia, no seu art. 8, XIV, a competência da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. No art. 176, ela determinava: “A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado e será dada no lar e na escola”.
1.3 – O docente crítico-dialógico no ensino superior
Pode se dizer que o docente do Ensino Superior é crítico-dialógico, na medida em que conhecendo a historicidade da educação, é capaz de estabelecer uma relação critica e dialógica com o passado através da herança cultural e do seu significado para as atuais gerações.
Nesse sentido, poderá contribuir com o processo ensino-aprendizagem, tempo em que melhor dialogará com seus alunos, os quais também farão as suas diferentes leituras das lições aprendidas do passado, levando-se em consideração o contexto histórico, político, econômico e social, tanto do ontem, como do hoje e das perspectivas de futuro.
O docente crítico-dialógico, em síntese, é aquele capaz de transcender-se no tempo e no espaço. Dito de outro modo, é aquele que consegue transpor-se de um estagio cultural para outro se reconhecendo como sujeito histórico na busca do ser-mais, e, influindo o seu discente a uma postura crítica no exercício do diálogo permanente com o mundo. O mundo conhecido e o mundo que precisa ser desvelado (relação homem-mundo, – perspectiva epistemológica do sujeito com o objeto). Assim sendo, ele o discente, deve ter como ponto de partida o exemplo de ser do seu professor, não um mero profissional, mas o exemplo sugestivo de docente crítico-dialógico, – daí a grande responsabilidade ético-moral desse profissional. Aquele que se propõe a dominar a arte de ver, de ver as coisas, de ver o outro (o aluno), de pensar o outro; ser pensado por ele e com ele interagir.
É interessante sintetizar o que diz Rubem Alves, como colunista da Folha sobre “A complicada arte de ver”. Ele relata um fato interessante e exemplificativo dessa complicada arte de ver o outro: é o fato narrado de uma senhora que entendia que estava ficando louca, pois apesar de cortar cebolas com frequência, percebeu que nunca havia visto uma cebola, pois esta se transformara em obra de arte!
Diante do silêncio dessa senhora, o interlocutor foi à sua estante e retirou as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda, e disse a ela: “Essa perturbação ocular que lhe acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver”.
Para Rubens Alves o ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Ele diz que Nietzsche sabia disso e afirmou que à primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca de experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram”. A conclusão de Rubens Alves (2003) é que:
(...) “a diferença se encontra onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas – e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando estão na caixa de brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo”. (p. 3).
E, sintetiza:
“... eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver – eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvão da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar “olhos vagabundos”... (p.3).
Portanto, o docente crítico-dialógico pode ser aquele que é capaz de estar percebendo e dialogando com tudo que está à sua volta, bem como interagindo de forma a influenciar e deixar-se ser influenciado criticamente no momento em que, o ato de ler, é também de ler as pessoas e se deixar ser lido por elas. É entender as significações de um mundo que precisa ser lido, um mundo de linguagens, de descobertas, de contrastes, de encantos, de símbolos, de fantasias no qual se insere.
Inserir-se é considerar-se como um ser, um corpo vivo que se relaciona, interage, sente e provoca o prazer, porém, não se deixa seduzir pelas “velhas lições”, que talvez precise relembrá-las apenas como fato ontológico que só tem valor para o aconselhamento à não-repetição, como registra Manacorda (1995) ao que chama de “sadismo pedagógico”.
“Eram os professores, no início geralmente servos de escravos, que batiam nos alunos, mas eram também os alunos que não raro se vingavam de uma maneira violenta de seus mestres” (MANACORDA, 1995, p. 59).
O docente crítico-dialógico, não é o mero professor ou profissional da educação institucionalizada. Este procura não agredir-se como corpo; e nem agredir o outro que também é um corpo. Daí, Rubem Alves (1984) considerar que o educador “é uma espécie em extinção no mundo da racionalidade moderna”, nesse sentido o educador deve valorizar-se e valoriza o outro como corpo:
“Se o corpo, em última análise, contém a verdade de tudo que dizemos, o caminho para a verdade do nosso discurso sobre educação deverá passar pelo corpo do educador” (ALVES, 1984, P. 106).
Assim, já há ventos que sopram e ventilam a necessidade de se firmar uma “Pedagogia do Corpo” na qual a pessoa seja devidamente considerada, não só na sua exterioridade, mas também na sua interioridade, segundo o que se percebe do último capítulo de Correntes Pedagógicas (2005: 129-166) no qual o seu autor, Danilo R. Streck, sinaliza alguns pensadores nessa linha a exemplo de Rubem Alves, Fowler & Keen, A. Fernandez, M. Foucault, E. Dussel, entre outros.
Em sua função o educador crítico-dialógico, além de ser aquele que se reconstrói, é aquele que ensina o aluno a ver; deve ser também aquele que ensina o aluno a pensar sobre o que vê, e até o que não vê. Augusto Cury (2000), por sua vez, sobre a crise na formação de pensadores no terceiro milênio, informa que 97% dos professores entendem ser fundamentais as características da inteligência vivida e ensinada pelo Mestre de Nazaré, para a formação da personalidade humana. 73% dos educadores relataram que a educação clássica não tem conseguido desenvolver tais funções.
Ele ainda informa que participou do VII Congresso Internacional de Educação, no qual ministrou uma conferência sobre o tema: “O funcionamento da mente e a formação de pensadores no terceiro milênio”. E que na ocasião, comentou com os educadores sobre a multiplicação de escolas, e as informações, porém, foram que, o mesmo não aconteceu com o número de pensadores, mesmo estando na era da informação e da informatização. Em suas palavras diz:
“Ao que tudo indica, o homem do século XXI será menos criativo do que o do século XX. Há um clima no ar que denuncia que os homens do futuro serão repetidores de informações, e não pensadores. Será um homem com mais capacidade de dar respostas lógicas, mas com menos capacidade de dar respostas para a vida, ou seja, com menos capacidade de superar seus desafios, de contemplar o belo, de lidar com suas dores, enfrentar as contradições da existência e perceber os sentimentos mais ocultos das pessoas. Infelizmente, será um homem com menos capacidade de proteger a sua emoção e com mais possibilidade de se expor a doenças psíquicas e psicossomáticas” (CURY, 2000, p 12).
É nesse tipo de perspectiva, bem como da pedagogia crítica de Paulo Freire, e/ou daquelas concepções que apontam para a educação criadora, libertadora e transformadora que o educador crítico-dialógico deve se situar.
1.4 – O discente no ensino superior
Em princípio deveria ser aquele que, eticamente teria motivos suficientes para imitar o seu mestre – o professor, – aquele que deveria primar pela docência critico-dialógica. Em síntese o discente é o estudante universitário – aquele com quem o professor exerce sua interlocução no processo ensino-aprendizagem. Daí a maioria dos livros de Didática ou Metodologia do Ensino ressaltarem a importância do corpo discente.
Tal preocupação é historicamente recente. Preocupação esta que não é hoje apenas com o estudante dentro da sala de aula, mas uma conquista democrática, que em termos de Brasil, tomou sentido mais amplo com as garantias constitucionais que vem delineando um caminho mais promissor ao povo brasileiro no desdobramento de leis complementares, que tem tido o seu grau de relevância quando devidamente cumpridas. O Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a recente reforma do Código Civil, a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), são alguns exemplos, mas, há muito ainda a ser conquistado.
Os referidos exemplos reportam direitos, outrora, negados ao cidadão ainda na tenra idade, como sujeito de direito. Pode se dizer, desde já, que o estudante, é hoje, sujeito de direito, mesmo aquele que não tem a maioridade civil. Tal condição lhe era negada de forma mais ampla nos diversos segmentos sociais e, até mesmo a família, contraditoriamente, transportava para a escola atribuições que lhe eram próprias. Nessa linha de raciocínio é relevante perceber o que diz Antonio Carlos Gil (2007) no seu livro Didática do Ensino Superior, sobre o estudante universitário:
“No Ensino Superior, havia até mesmo identidade de gênero, pois os alunos eram do sexo masculino. Pó isso mesmo, o modelo predominante na educação no Brasil foi o da educação homogênea, que, aliás, sempre pareceu justo, pois esse modelo preconizava atender a todos os alunos de forma igual e eqüitativa” (...) (GIL, 2007, p. 40).
O atual estudante começa mais cedo entender de direitos que lhe foram negados historicamente. Os livros do Ensino Fundamental, quase sempre trazem conhecimentos sobre os direitos da criança e do adolescente, direitos do consumidor, meio ambiente, segurança, globalização e tantos outros. Além do que a própria Educação já inclui nos currículos oficiais do ensino fundamental, os chamados temas transversais. Isto é importante para que o aluno exerça sua cidadania, desde cedo, conhecendo os seus direitos e deveres, condição que lhe possibilitará melhor diálogo, não só no ambiente acadêmico de nível superior, mas também nos diversos espaços sociais.
1.5 – Breve contexto histórico-político da educação no Brasil – 1960/70
Faz-se importante agora conhecer um pouco o pano de fundo da educação no Brasil envolvendo a prática docente nas décadas de 1960 a 1970, uma vez que a educação também é ato político. E, é a partir dessas décadas que se iniciara um novo capítulo na educação brasileira.
Sem tecer detalhes, pode-se destacar algumas nuanças de cores de um quadro que chama a atenção pelas marcas ofuscantes e geradoras de conflitos sociais, em função do descompasso histórico do povo brasileiro, no que se refere ao antes e ao depois do golpe militar – que se concretizou em 1964 – perdurando com a ditadura e, esvaindo-se no governo do então, general João Batista de Figueiredo, com a anistia internacional. Conseqüentemente, o retorno dos exilados, a exemplo do educador pernambucano Paulo Freire e de tantos outros brasileros.
Em 1961, Jânio Quadros assume a presidência e renuncia após sete meses de governo; forças conservadoras tentam impedir a posse do vice, João Goulart, após a instituição do regime parlamentarista que é revogado por um plebiscito popular (1963). Porém o governo reformista de João Goulart é derrubado pelas forças conservadoras, assumindo a presidência o Marechal Castelo Branco (1964); começa a cassação de mandatos políticos e a suspensão de direitos de funcionários, militares, professores e cidadãos em geral. Era a ditadura militar implantada.
O cenário político continua com a extinção de partidos políticos, surgindo a Aliança Renovadora Nacional, inclusive o Movimento Democrático Brasileiro, de oposição. Dois anos após 1965, o general Artur da Costa e Silva assume a presidência, sendo promulgada uma nova Constituição. Ainda assim, são inevitáveis as grandes passeatas contra o regime militar, que reage editando o Ato Institucional número 5 (AI-5), com o fechamento do Congresso, cassações e prisões, culminam com atos terroristas de esquerda e direita, a exemplo do embaixador americano, Charles Elbrick, o qual foi trocado por 15 presos políticos.
Nesse momento histórico (1969), Costa e Silva adoece e o vice Pedro Aleixo é impedido pelos militares de assumir e formar uma junta governista. Em seguida o Congresso é reaberto e elege o general Emílio Garrastazu Médice para a presidência. Em fim, 1970 ainda se caracteriza com seqüestros, torturas e mortes em prisões civis e militares.
A educação no país nas décadas de 60/70 foi fortemente influenciada pela intervenção ideológica norte-americana através do acordo Mec-USAID, no qual estava a assessoria de técnicos americanos interferindo na educação brasileira, em todos os níveis, principalmente nos currículos escolares. A ênfase foi dada aos cursos técnicos de nível médio, sobretudo, com a Pedagogia Tecnicista e da influência da Psicologia Behaviorista (ou comportamentalista) contextualizadas ao sabor dos ventos soprados pelo positivismo do filósofo francês Augusto Comte.
Positivismo esse que na compreensão de Dermeval Saviani (1992), produz subordinação: (...) “é justamente a subordinação do saber objetivo aos interesses burgueses que conduziu o positivismo a proclamar a neutralidade do saber como condição de sua objetividade” (p. 66). Segundo os críticos da educação a leitura mais coerente desse período, é a de que havia a intenção em manter o país subdesenvolvido e subalterno ao capitalismo dos norte-americanos, a começar pela interferência no pilar mais importante para o desenvolvimento do país: a educação.
Isto é constatável pelo financiamento de diversos programas de reforma pela Agência Interamericana de Desenvolvimento (USAID) dos EUA, sendo que no campo do Ensino Superior, essa reforma conservadora se expressou pela lei 5540 (1968), semanas antes da instituição do AI-5.
Vale salientar que, a instabilidade política, econômica e social, não deixou de existir, mas o Brasil de hoje já é, apesar dos seus problemas, um país emergente, em desenvolvimento, porém, dista em sua realidade social, política e econômica, daquele Brasil da década de 1970, cantado nos versos da composição de Miguel Gustavo: “Pra Frente Brasil” , canção que se inicia anunciando um dado estatístico: uma população com noventa milhões de pessoas, as quais deveriam cantar juntas: “Salve a seleção!!!” – As exclamações, portanto, são de euforia e incentivo ao tricampeonato mundial do futebol brasileiro. Mesmo com a população 50% menor do que a atual, o país já tinha muitos problemas conjunturais.
A educação nos moldes tradicionais era um deles, e ainda hoje, o país sofre as mazelas de uma administração pública que pouco investiu em educação, saúde, segurança, saneamento básico, emprego, etc. O resultado são os altíssimos índices de criminalidades, entre outros problemas, por conta do crescimento em dobro da população brasileira, em apenas 38 anos, conseqüentemente pela ausência de uma política de planejamento familiar, principalmente para a classe de menor poder aquisitivo, na qual as estatísticas comprovam a tendência crescente na base piramidal.
1.6 – Breve enfoque: o docente e a legislação no ensino superior atual
É muito importante destacar que o professor universitário atual é o profissional da Educação Superior, acerca do qual a legislação estabelece algumas condições para o seu exercício.
Com a implantação da pós-graduação no Brasil, em 1965, com o Parecer nº. 977, do então Conselho Federal de Educação que definiu a pós-graduação em lato sensu e o stricto sensu. O stricto sensu, por sua vez, é definido em dois níveis: mestrado e doutorado. Entretanto o Conselho Federal de Educação, pela Resolução nº 20/77, estabeleceu em seu art. 5º o que é preciso para a aceitação de docentes. Para tanto, além da qualificação básica, seriam considerados, entre outros, os seguintes fatores:
“a) título de Doutor ou Mestre obtido em curso credenciado no País ou no exterior, a critério do Conselho, ou ainda, título de Livre-docente obtido conforme a legislação específica;
b) aproveitamento em disciplinas preponderante em áreas de concentração de cursos de pós-graduação senso strictu, no País, ou em instituição idônea no País ou no exterior, a critério do Conselho, com carga horária comprovada, de pelo menos trezentas e sessenta (360) horas;
c) aproveitamento, baseado em freqüência e provas, em cursos de especialização ou aperfeiçoamento, na forma definida em Resolução específica deste Conselho;
d) exercício efetivo de atividade técnico-profissional, ou de atividade docente de nível superior comprovada, durante no mínimo dois (2) anos;
e) trabalhos publicados de real valor”.
De modo geral, os cursos de mestrado não oferecem formação pedagógica. Poucos são os cursos de mestrado que oferecem alguma disciplina dessa natureza. Uma vez que os programas de mestrado têm como objetivo proporcionar aos seus participantes conhecimentos e habilidades para a realização de pesquisas científicas, apesar do seu grau de importância da pesquisa para o ensino, a inexistência de disciplinas de caráter didático-pedagógicas não o habilita para o exercício da docência no Ensino Superior.
Em 1983, entretanto, o Conselho Federal de Educação, através da Resolução 12/83, fixou as condições para validade dos certificados dos referidos cursos. Estabeleceu a duração mínima de 360 horas e que pelo menos 60 horas da carga horária seriam utilizadas como disciplinas de formação didático-pedagógica. Com a Resolução CNE/CES nº 01, de 03 de abril de 2001, os dispositivos foram alterados, suprimindo a exigência de disciplinas pedagógicas. Ressalta-se de que seus concluintes, no entanto, continuam habilitados para ministrar aulas em cursos superiores.
Salienta-se, portanto, que a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, ampliou a exigência para o exercício do magistério superior, estabelecendo:
“Art. 66 A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.
Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por faculdade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico”.
A referida lei diz que as universidades deverão apresentar “um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado” e “um terço do corpo docente em regime de tempo integral” (art. 52, incisos I e II).
Por outro lado, consciente da necessidade de profissionais para o exercício do magistério, algumas instituições universitárias oferecem cursos de Metodologia do Ensino Superior, Didática do Ensino Superior, bem como o de Docência do Ensino Superior, como é o caso da Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.
CAPÍTULO II
MULTIDIMENSÕES PEDAGÓGICAS
2.1 – A pedagogia e a concepção andragógica
Uma vez tendo sido feita referência no capítulo da fundamentação teórica sobre o que é educação crítico-dialógica no Ensino Superior, nesta etapa se fará uma discussão mais aprofundada sobre alguns enfoques que devem se configurar como dimensões pedagógicas importantes.
As dimensões pedagógicas que serão consideradas nesta discussão são aquelas que estão no âmbito da Didática, por conseguinte, dimensionadas no processo ensino-aprendizagem, bem como na relação professor-aluno, e na apropriação do conhecimento no ambiente sala de aula. Porém, antes, é preciso compreender o que se diz sobre a Pedagogia e a Andragogia e o que cada uma delas propõe, uma vez que muitos teóricos defendem a idéia de que a forma de aprendizagem dos adultos se difere da das crianças, – pelo grau de interesse, maturidade, e pela capacidade que têm de decidirem aquilo que querem.
Inicialmente, diante das diversas explicações conceituais que dão os autores sobre o que é a Pedagogia e a Andragogia, destaca-se aqui o conceito de Mondin (1980) colocando a Pedagogia numa posição mais adequada de ciência da Educação.
“Sem dúvida, a pedagogia é uma ciência do homem, mas possui um âmbito específico diferente do de outras ciências: a educação do homem. (...) Com efeito, se o escopo da educação é a libertação do educando, o alcance deste fim verifica-se levando em conta situações biológicas, psicológicas, antropológicas, sociológicas e históricas vividas concretamente pelo sujeito. Além disso, se a educação deve ser integral, isto é, relativa tanto ao aspecto material quanto ao espiritual do homem, ela deve permutar princípios, critérios, métodos com a filosofia, a ética, a estética, etc. (...) A pedagogia é, pois, uma ciência autônoma, embora requerendo um aporte interdisciplinar (...)” (MONDIN, 1980, p. 107).
Essa indicação conceitual de Mondin é muito interessante, uma vez que faz referência à autonomia da Pedagogia, embora requeira o aporte interdisciplinar como ele mesmo afirma. Nesse sentido, a compreensão que se pode ter da Pedagogia é em sentido largo do termo. Não mais estrito à suas origens na Grécia antiga, em que o pedagogo tinha um papel específico e limitado na vida das crianças, que era apenas de condutor destas aos locais do ensino-aprendizagem. Por isso muitos teóricos deduzem admiti-la como uma ciência da educação.
Por sua vez, Antonio Carlos Gil (2007) aborda o tema sobre a Pedagogia e a Andragogia, em que faz um contraponto entre as duas concepções. Primeiro quanto à Pedagogia ele destaca a inadequação desta por estar voltada ao ensino básico, e que, portanto, cursos dessa natureza não são adequados para preparação de professores universitários, e diz:
“Embora o professor seja freqüentemente visto como o principal elemento do processo de aprendizagem, ele não tem naturalmente o domínio de fatores relacionados aos estudantes, tais como suas características pessoais, necessidades e interesses. Não é capaz também, na maioria dos casos, de influenciar significativamente a organização administrativa da escola. Mas ele tem muita responsabilidade em relação ao conhecimento da disciplina que ministra às habilidades para comunicação dos conteúdos, à maestria em relação ao uso de recursos instrucionais e ao clima estabelecido em sala de aula” (Ibidem, 2007, p. 12).
É a partir de definições restritas à etimologia da palavra Pedagogia que muitas argumentações buscam setorizá-la na atualidade. Ao aprisioná-la como inadequada em virtude de que os conteúdos programáticos dos cursos de Pedagogia não “serviriam” para preparar o professor universitário, o qual quase sempre se deparará com uma clientela de adultos. As coisas parecem estar nos níveis das terminologias e de questões de políticas educacionais. Pois já é sabido, inclusive com a chancela do MEC, da proliferação de cursos de Pós-Graduação para preparar docentes para o Ensino Superior. O que também já se sabe, é que existe um paradoxo entre os cursos em nível de lato sensu com os de stricto sensu, como o mestrado e o doutorado que tem como foco principal a pesquisa e não a docência. Isto significa dizer que se requer uma instrumentalidade didático-pedagógica voltada para a docência do Ensino Superior.
A pergunta que cabe fazer é: haveria de nascer uma concepção pedagógico-científica para a Educação em sentido abrangente (da pré-escola à universidade), em substituição à Pedagogia como ciência da Educação, e que, por conseguinte, prepararia também o professor do Ensino Superior? Carlos Brandão (1996) diz que não há um modelo único de educação. Isto poderia servir de pressuposto? Partindo dessa compreensão, não se estaria abrindo um precedente para que se diga que pode existir uma pedagogia correspondente e específica para cada nível de ensino na Educação? Conseqüentemente, outros questionamentos seriam desencadeados, a exemplo de como ficaria a compreensão sobre a Didática. Haveria também de existir uma didática específica para cada tipo e nível de ensino? Certamente os conceitos seriam os mais diversos possíveis, a exemplo do que já se cognomina: a didática do ensino fundamental, a didática do ensino médio e a didática do ensino superior, etc.
Assim, alguns aspectos conceituais em sentido estrito ou largo do termo seriam evidenciados – e, em que âmbitos se falaria em didática. Dificilmente apontariam para o consenso no sentido das conceituações teóricas no campo da educação, pela própria complexidade desta, tanto em sua dimensão objetiva como subjetiva.
Entendendo que poderá haver muitas controvérsias sobre essa questão, importa, no entanto, compreender um pouco sobre o que é a Andragogia e o que ela se propõe, não como ciência, mas como uma concepção a contribuir com a educação de adultos. Aqui também caberia o questionamento conceitual: como definir qual a linha divisória entre o que é ser adulto e não-adulto. Seria apenas uma questão de faixa-étária? Isto se faz importante na medida em que se entende ser os cursos de Pedagogia inadequados à preparação de professores universitários, cujos alunos quase sempre são adultos, e ainda do argumento de que a Pedagogia estaria muito mais próxima da infância, e de que a palavra se refere à condução de crianças.
Quanto à Andragogia, Gil (2007) vai informar que...
“... a partir do último quartel do século XX, graças ao aparecimento do livro The modern practice of adult education, de Malcom Knowles (1970), começou a popularizar-se o termo Andragogia para referir-se à arte e ciência de orientar os adultos a aprender... A Andragogia fundamenta-se nos seguintes princípios: 1. Conceito de aprendente. 2. Necessidade do conhecimento. 3. Motivação para aprender. 4. O papel da experiência. 5. Prontidão para o aprendizado” (Ibidem, 2007, p. 12,13).
Afinal, este autor ainda informa que o conceito de Andragogia não é consensual, porém, a prática docente pode ser melhorada com a adoção dos seus princípios. Diante de tantas considerações, controvérsias próprias do universo educacional, como, pois, o docente poderá não ser crítico-dialógico em sua prática didático-pedagógica, uma vez que ele precisa estar posicionado e contextualizado com o seu tempo?
2.2 – A didática: aspectos multidimensionais
A discussão teórica que ora se pretende ampliar, está tão somente no âmbito da Didática do Ensino Superior, tomando por base os três pilares destacados neste estudo, como fundamentais nos quais se firma a docência: o processo ensino-aprendizagem, a relação professor-aluno e a apropriação do conhecimento. Dimensões estas consideradas no espaço sala de aula, bem como daqueles aspectos que foram eleitos para essa discussão.
O primeiro entendimento nesta discussão consiste em entender, de forma breve, o que é mesmo a Didática no Ensino Superior e o que é possível ao professor através dela. Faz-se importante, neste item, considerar algumas vozes sobre o que é essa didática, vez que, a partir dela, se considerará alguns desdobramentos teóricos.
Já é sabido entre os teóricos que a Didática como reflexão sistemática é o estudo das teorias de ensino e aprendizagem aplicadas ao processo educativo na escola. Ivone Boechat (2000), por sua vez, diz que a Didática:
“De simples “arte de ensinar”, ela passou a ser o agente mobilizador da importante arte de aprender, em que o estudante, antes mero receptor, hoje é participante ativo na aprendizagem” (OLIVEIRA, 2000, p. 74).
A questão, então, é a seguinte: Em que nível o estudante no ensino universitário pode ser considerado participante ativo? Essa questão remete a outras compreensões se se levar em consideração a dimensão política do ato educativo, a relação cognoscitiva entre o sujeito e o objeto, a efetivação da autonomia intelectual e moral não só de quem ensina mas também de quem aprende, uma vez que esta se constitui um dos principais objetivos da educação que vai muito além do fazer técnico-pedagógico que se dimensiona no processo ensino-aprendizagem. Até mesmo para que o estudante se dê conta dos contextos políticos, econômicos e históricos, característicos de uma sociedade capitalista, que, como tal, envolvem as instituições de ensino por meio de ideologias que caracterizam a relação dominador-dominante, e que, portanto, se desembocam no ambiente sala de aula.
É preciso que se entenda que, o docente e o discente na sala de aula, estão de algum modo, expostos aos interesses diversos e que por trás deles, há sempre algo a ser considerado para que a educação verdadeiramente aconteça de maneira a proporcionar os resultados significativos e esperados.
Nesse sentido, algumas considerações são imprescindíveis à compreensão do leitor. Por analogia dir-se-á aqui que a sala de aula, os seus personagens principais (professor-aluno), e suas interações com o processo ensino-aprendizagem e a apropriação do conhecimento, devem ser vistos, a princípio, pela “lente” da Didática.
Levando, pois, em consideração o capítulo Considerações sobre a Didática (p.57 a 124) do livro de Ivone Boechat: Por uma escola humana (2000), alguns pontos podem ser relevantes para que o docente universitário entenda o que acerca deles deveria ter conhecimento e participação. Ela relaciona: 1. filosofia da escola; 2. a grade curricular devidamente ajustada; 3. programas atualizados; 4. professores habilitados; e, 5. diretores, coordenadores, supervisores identificados com os propósitos da educação.
Primeiro: a filosofia da escola. Entenda-se aqui escola a instituição superior (grifo nosso). E, uma pergunta é cabível: quantos alunos do Ensino Superior conhecem a filosofia da instituição? Essa é uma questão muito importante e muito séria!; em segundo lugar: a grade curricular a quem interessa? Faz-se importante o docente e o discente saberem até que ponto a política de currículo atende aos interesses dos discentes em função da sua formação em evidência, visto que a sociedade globalizada encontra-se contextualizada com o mundo da tecnologia; terceiro: programas diversificados e dinâmicos que causem interações entre docentes e discentes, e também discentes com discentes. Quarto: professores devidamente habilitados, esta é uma outra situação que também precisaria de seriedade; quinto e último ponto: diretores, coordenadores e supervisores que se identifiquem com os propósitos da educação, jamais indiferentes a ela.
Isto implica no conhecimento dos objetivos da instituição, o seu contexto, e a quem ela satisfaz e interessa, tanto para a comunidade de dentro como para além dela. Para Oliveira (2000): “Objetivo é a apreensão das etapas que se espera alcançar. É o princípio fundamental que nos dirige ao encontro de realizações alvo” (p. 77). Daí entender-se que uma prática docente que se afirme ser crítico-dialógica, pode partir da idéia de que o Projeto Político-Pedagógico deve ser hoje, o ponto-chave, a partir do qual pode se desencadear novas propostas. Pois, por um lado, esse planejamento do projeto é político, por outro, ele é pedagógico, daí a expressão Projeto Político-Pedagógico, ainda que redundante, incorpora uma dimensão política que se justifica em sua intencionalidade. Portanto, o projeto político-pedagógico não deveria ser apenas um instrumento legalmente exigido como requisito institucional, mas nascido da emergente participação coletiva, entre os personagens da gestão democrática, bem como da participação dos discentes.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/94), em seu art. 12, inciso I, prevê que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, têm a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”. Daí as Instituições de Nível Superior (IES) a cada cinco anos têm que elaborar o seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) – documento que identifica sua filosofia de trabalho, a missão a que se propõe as diretrizes pedagógicas que orientam suas ações, sua estrutura organizacional e as atividades acadêmicas que desenvolve e/ou pretende desenvolver. Portanto, a participação do aluno e do próprio professor, no projeto institucional, é uma exigência legal.
Uma vez que nesse plano precisa se definir a missão e os objetivos gerais, metas, dados da organização acadêmica e administrativa, planejamento, organização didático-pedagógica, oferta de cursos e programas, infra-estrutura acadêmica e o projeto de acompanhamento e avaliação do desempenho institucional, convém, não só o docente participar dele, mas também o discente, conseqüentemente no desdobramento do Planejamento Educacional de Currículo e Ensino. O discente precisa democraticamente ter voz sobre o plano de ensino, o plano de curso, o plano de aula, por ser etapas que incluem os objetivos do Ensino Superior, além do que, advem do objetivo geral fazer a apreciação crítica, formular hipóteses e conclusões, permitindo distinguir erros de opiniões e raciocínios.
Por outro lado, os objetivos específicos, segundo Oliveira (2000), eles são imediatos, restritos para cada atividade, área de ensino ou disciplina. Também chamados de objetivos instrucionais, eles referem-se ao ensino. Daí o porquê de referir-se ao aluno em sua tarefa de aprender. Oliveira ainda inclui uma terceira ordem de objetivos, que são os objetivos específicos operacionais. Para melhor clareza ela traz o pensamento de Robert Mager o qual diz: “são descrições de resultados almejados. São descrições dos padrões que gostaríamos que nossos alunos alcançassem ou ultrapassassem”.
Portanto, o educador que deseja ser crítico em sua docência, precisa estabelecer diálogos permanentes com a instituição, seus alunos, e com a sociedade, atualizando-se com o mundo globalizado, e, sendo capaz de pensar, de pesquisar, de decidir, de planejar e executar suas atividades, em contraponto com as opiniões dos estudantes.
Assim, a Didática pode ser entendida como um dos fatores de aproximação e/ou distanciamento de uma pedagogia crítica. Até mesmo porque esta aponta não só para a problemática que envolve o processo ensino-aprendizagem na sala de aula, mas além dela. Sendo assim, convém compreendê-la como condição indispensável à formatação da docência crítico-dialógica no Ensino Superior.
2.3 – O processo ensino-aprendizagem
O processo ensino-aprendizagem constitui-se o foco principal pelo qual se pretende identificar alguns entraves subjacentes no ato de ensinar e de aprender na sala de aula. Estes entraves uma vez identificados podem contribuir para que o processo ensino-aprendizagem tenha o seu caráter crítico-dialógico. Para tanto, é preciso partir de concepções já identificadas acerca do fenômeno educativo, que sendo humano, também é histórico e pode ser abordado por diferentes óticas.
A educadora Maria da Graça Nicoletti Mizukami, é uma das pessoas atuante na aérea de Metodologia do Ensino da Universidade Federal de São Carlos no Estado de São Paulo (1986), que lança o seu olhar para o processo ensino-aprendizagem. Ela seleciona cinco abordagens: tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural, sendo que esta última, em sua coerência, identifica aquilo que está por trás do aparente ensinar e aprender e da aquisição do conhecimento.
Abordagem sociocultural enfoca os aspectos socioculturais do processo ensino-aprendizagem. Tem caráter interacionista como no construtivismo, porém, a sua maior ênfase é para o sujeito criativo capaz de elaborar o conhecimento. Nesta abordagem o educador e o educando como sujeitos de um processo, crescem juntos, se solidarizam e buscam superar-se das suas limitações. Assim, a educação é um constante ato de desvelamento da realidade, um esforço permanente, através do qual os homens vai se percebendo criticamente como estão sendo no mundo. O principal representante desta corrente é Paulo Freire, para quem a verdadeira educação é a educação problematizadora.
A compreensão dessa abordagem é de singular importância para que se perceba quais as diferenças entre as concepções e as contribuições significativas para a educação crítico-dialógica a partir da sala de aula. Apesar da abordagem humanista e a cognitivista contribuírem significativamente à postura do novo educador, a sociocultural sinaliza a relação professor-aluno dentro de uma perspectiva crítica de liberdade e de inter-relação, na qual é possível a superação da relação opressor-oprimido através da solidarização, bem como dos motivos que levam a existência da opressão.
Ainda segundo Benjamim Bloom (1981), um dos destacados educadores norte-americanos contemporâneo, autor e co-autor de diversas obras e conhecido, entre nós, por sua taxionomia de objetivos educacionais, domínio cognitivo e domínio afetivo, – em sua obra: Características Humanas e Aprendizagem Escolar. Elabora uma teoria de aprendizagem aplicada à escola, na qual três variáveis estão inter-relacionadas: comportamento cognitivo de entrada – CCE; características de entrada – CAE; qualidade de ensino – QE que são apresentadas como determinantes do desempenho do aluno.
Ele afirma que as diferenças individuais na aprendizagem, evidenciadas nos resultados são causadas predominantemente pelas condições em que esta ocorre, portanto acidentais, provocadas pelo meio e não inerentes ao potencial hereditário de cada um.
O pensamento de Bloom, de algum modo, corrobora com a necessidade de que a aprendizagem para ser considerada significativa, não apenas como expressão dos conteúdos programáticos, deve ser resultante da proposta política de currículo, que antes de ser iniciativa administrativo-pedagógica institucional, deveria ser inclusiva da participação do aluno.
Se isto não ocorre, toda a sistematização do ensino, e, por melhor que seja a intenção do docente, se torna comprometido. O discente pode, inclusive, até absorver os conteúdos, criticamente, porém, estes, podem não significar a expressão resultante de interesse destes, mas sim, indicativas de decisão unilateral –, de cima para baixo – ou seja, tendo sempre como ponto de partida a direção da instituição acadêmica que pré-determina todo o conteúdo a ser estudado pelo alunado. Nessas condições, jamais as sugestões dos estudantes serão acatadas.
2.4 – Tríplice dimensão comunicativa: visão psicanalítica
Todo esse processo ensino-aprendizagem se dá no plano da tríplice dimensão comunicativa entre docentes e discentes em decorrência da decodificação da mensagem que os intermedia. Porém se faz importante entender o que está implícito no ato operativo da comunicação.
Em primeiro lugar desmistificar aquilo que logicamente se insere como premissa no ato comunicativo daquele (o professor) que detém a fala (o discurso). Neste caso, o professor, que por sua vez, assume a posição de principal interlocutor do aluno no acesso ao conhecimento; por outro lado, pode acontecer que o aluno encontre-se numa posição de passividade diante de fenômenos intersubjetivos presentes na mensagem advinda do professor. Algo que se detecta pela discussão, pela problematização, que, em não acontecendo, pode estar enraizada por fatores políticos e/ou ideológicos.
Portanto, uma vez entendido de que o processo ensino-aprendizagem acontece no plano da comunicação, ou seja, – da relação entre o emitente e o receptor da mensagem, logo, preciso se faz considerar a intenção do “eu” do sujeito que opera a fala. Pois pode ser prejudicial se o “eu” do emitente (o professor) recai sobre o “eu” do receptor (o aluno) sem que este último demonstre a sua aceitação ou não das verdades ou não-verdades que estejam veiculadas no processo ensino-aprendizagem. Algo que só deveria acontecer após a problematização dos conteúdos programáticos em evidência.
Este aspecto é de advertência ao professor e de alerta ao aluno em função da decodificação da mensagem em níveis de subjetividade e objetividade, resultante das formas de expressão significativa entre professor e aluno. A essa importância do eu, Joel Dor (1989) em Introdução à Leitura de Lacan, O Inconsciente Estruturado como Linguagem, adverte sobre a fórmula da comunicação e o inconsciente como discurso do outro:
“No discurso, o “Eu” (Je) é o lugar onde o sujeito se produz como aquele que fala. Vimos que esta particularidade tópica devia-se ao próprio status do sujeito: o sujeito só advém no discurso e pelo discurso, para, aliás, de imediato eclipsar-se. Este fading do sujeito provém da relação do sujeito com seu próprio discurso, tal como Lacan precisou sua ocorrência no fato “que um significante é o que representa um sujeito para um outro significante” (Joel Dor, 1989, p. 155).
Nesse sentido, o referido autor, apresenta o esquema L, de Lacan, em que o sentido das flechas determina fatos de estrutura desta comunicação intersubjetiva. Isto é muito importante quando analisado porque demonstra vetores de construções imaginárias dos ego e dos alter ego. Isto tem um valor muito grande se aplicado ao processo ensino aprendizagem, em que pelo próprio sentido da comunicação autêntica, o sujeito estrutura como vindo do outro uma mensagem sob forma invertida, e, segundo esse autor, é o que ocorre em fórmulas radicais como “Você é meu mestre” ou “Você é minha mulher” em que se dá o reconhecimento implícito do Outro, conforme Joel Dor (1989) explica:
“O sujeito que interpela o Outro neste “Você é meu mestre” na verdade formula a ele, implicitamente: “Eu sou seu discípulo”, mesmo que o que se articula presentemente na realidade de seu discurso continue a ser: “Você é meu mestre”. É porque o sujeito já se fez reconhecer como um discípulo para um Outro, que ele pode reconhecer explicitamente, em sua fala, este Outro como seu Mestre”. Esta estrutura da comunicação é imperativa, pois só ela permite explicar de onde o sujeito extrai a certeza assertórica que o autoriza a afirmar: “Você é meu mestre”. Com efeito: “Você é minha mulher – no final das contas, como é que você pode saber? Observa Lacan – Você é meu mestre – de fato, será que você está tão seguro assim? O que constitui precisamente o valor fundador destas palavras é o fato de que o que é visado na mensagem é a presença ali do outro enquanto Outro absoluto” (Ibidem, 1989, pp. 158 e 159).
Portanto, entende-se que o grau de importância da dimensão comunicativo-dialógica, tanto é válido para o comunicante (o docente) como para o receptor da mensagem (o discente), uma vez que a comunicação interfere positiva ou negativamente no padrão de comportamento das pessoas. Este aspecto é muito importante e deve ser levado em consideração pelo professor ao dialogar com os alunos.
2.5 – A relação professor-aluno significativa e autônoma
Para Pedro Morales Vallejo, no seu livro: La relación professor-aluno em el aula, no primeiro capítulo da página 15 a 28, discorre sobre a relação professor-aluno e os resultados não-intencionais. Para explicá-los, Vallejo faz uma análise sobre o esquema de Yamoto (1965). Nesse esquema ele considera não só o ensino formal, mas também o informal. Ele diz que “... se este último não for considerado pela escola, pode se deixar de fora a própria vida”.
Ele está falando do ensino implícito. Segundo ele os resultados não-intencionais vão além das nossas palavras e declarações. “E, assim como transmitimos o que nos importa com o que fazemos, igualmente tiramos importância mediante o não-fazer ou fazer menos” (p.26). Vallejo chama a atenção para o fato de que pode haver um aprendizado negativo em sala de aula segundo algumas situações que podem acontecer no dia-a-dia da relação professor-aluno quando o estudante entende:
“Sobre o professor (Ele não se interessa por nós);
Sobre a matéria (É inútil e enfadonha);
Sobre o estudo em geral (Não vale o esforço);
Sobre a própria pessoa (Eu não tenho valor...)”.
Vallejo levanta uma questão interessante: “Como transmitimos essas mensagens? De muitas maneiras, verbais e não-verbais. Enviamos mensagens com o que dizemos e fazemos e também por meio do que dizemos ou não fazemos” (p.25).
Tratando da multidimensionalidade da relação professor-aluno em sua complexidade, principalmente na sala de aula, Vallejo entende que “o professor é o sujeito que inicia a relação com o aluno; quando também os alunos influem no professor e reforçam determinado estilo de relação professor-aluno”. Em sua avaliação a multidimensionalidade compreende: 1. A relação a partir da motivação; 2. Perspectivas psicológicas e educativas; 3. Motivação e necessidades dos alunos. Nesta última ele faz distinção à qualidade das relações interpessoais, da estrutura do aprendizado e da autonomia do aluno (p. 49-57).
Situações como as referidas acima ocorrem quase sempre. E elas podem ser mais graves na medida em que o professor não tem uma postura crítica e dialogal com os estudantes. Ele assume uma posição de indiferença e se coloca como um cumpridor de plano de ensino ou de aula; por outro lado, os estudantes também não podem exercitar de maneira mais expressiva a sua condição crítica e dialógica com o professor. Do ponto de vista teórico o aluno é parte integrante; do ponto de vista prático, ele é colocado como parte unilateral do Projeto Político-Pedagógico. Essencialmente não se busca sua opinião. E as coisas podem se tornar mais graves se a sua participação não é democrática e nem nasce de suas reivindicações.
A voz do estudante não tem sido a voz que ecoa pela participação, pela vivência e decisões nos destinos de sua educação. E isto se torna ainda mais grave se este não fizer parte da elaboração dos objetivos das disciplinas. Muitas vezes, sem saber para onde estas caminham. Assim, a relação professor-aluno do ponto de vista da aquisição do conhecimento fica seriamente comprometida.
Portanto, entende-se que essa relação, como tal, na esfera do diálogo e do espírito crítico, pode importar em aprendizagens significativas, inclusive de troca entre professor e estudante e vice-versa. O binômio ensino-aprendizagem, dado à complexidade em seus diferentes aspectos, tem se constituído assunto relevante de pesquisas em Educação. Os enfoques mais conhecidos são: o rogeriano, o psicanalítico e o construtivista. Para Carl Rogers “... a facilitação da aprendizagem significativa repousa em certas qualidades de atitude que existem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o estudante” (ROGERS, 1986, p. 127). No enfoque rogeriano algumas atitudes são essenciais e facilitam a aprendizagem: 1. A autenticidade (P. 128); 2. Apreço pelo estudante (p. 130); 3. Compreensão empática (p. 131). Assim, o aluno pode dizer: “finalmente, alguém compreende como é que é parecer estar a meu lado, sem querer analisar-me ou julgar-me” (p. 132).
Para o enfoque psicanalítico a relação professor-aluno baseia-se em dois afetos básicos constituintes da estrutura psíquica: o amor e o ódio. Além do que outras dimensões dessa relação poderiam ser consideradas à luz da Psicanálise e do que ensinou Freud sobre corpo e alma: soma e psique, uma vez que o professor e o estudante no processo ensino-aprendizagem são partes interativas, tanto da parte visível (soma) como da invisível (psique). E se de um lado, psique, – ou alma, ou espírito, ou a mente – que seria a parte invisível (imaterial) e intocável das pessoas, mas que existe e envolve a relação interpessoal professor-estudante, – por outro lado, essa relação engloba tudo aquilo que o ser humano sente, pensa, deseja, sonha e faz, através do seu corpo. Portanto, haveria de se considerar as abordagens da divisão topográfica ou sistemática dessa psique: o inconsciente, o pré-consciente, a censura e a consciência, segundo a teoria freudiana.
Quanto ao enfoque construtivista a relação professor-aluno também é muito importante na medida em que este é devidamente compreendido. Os teóricos desse enfoque geralmente apontam não só para as questões que envolvem o indivíduo, mas também para as exigências do meio social no qual está inserido.
Esse enfoque que tem em Jean Piaget a sua maior singularidade teórica, destaca a aprendizagem como um processo de reestruturação de conceitos prévios que sempre existem em cada indivíduo e servem de parâmetros para os novos conceitos. Esse aprendizado é um processo e o estudante é participante ativo, na pesquisa, no trabalho em grupo, sendo estimulado pelo professor a superar dificuldades, a desenvolver o seu raciocínio e a buscar o conhecimento.
Fazem parte desse enfoque os processos mentais e as habilidades cognitivas. Para tanto, o professor é aquele que em sua autonomia, exerce o papel de mediador entre o estudante e o conhecimento. Assume uma postura altruísta, caminha com o estudante e o encoraja a vencer os desafios. O estudante como tal, assume o seu papel, porém com autonomia no processo da aprendizagem, e por vezes, tomando a iniciativa da condução desta sob a ótica do seu professor-mediador. É nessa perspectiva dialógica da relação professor-aluno que pode se dar a quebra de paradigmas de modo significativo.
Entretanto, no Ensino Superior, não é comum observar professores que tenham uma postura construtivista. Isto demandaria, certamente, em investimentos na reciclagem dos professores que tiveram uma formação tradicional. Mas que seria de grande valia como uma das alavancas à disposição da educação, em todos os níveis.
2.6 – A sala de aula: espaço de conflito e de quebra de paradigmas
Em se tratando da multidimensionalidade da relação professor-aluno em sua complexidade, Ruy Cezar do Espírito Santo, em sua obra: Pedagogia da Transgressão: um caminho para o autoconhecimento (1996) trata do espaço da sala de aula, focando-o como “racionalista” nas escolas onde não há transgressão dos espaços. O “universo estático”, “certinho”, é um obstáculo ao desenvolvimento do aluno. Em sua experiência docente, diz:
“A busca de um novo paradigma em educação passa pela constatação de um universo em permanente mutação, que não se coaduna com a rigidez do uso do espaço. Sentia eu, na ocasião a importância de transgredir aquele universo cultural fechado e restrito. Pleno de preconceitos e moralismos. Hoje verifico a indisponibilidade de uma pedagogia libertadora, como tão bem situa Paulo Freire em sua obra...” (SANTO, 1996, P. 19).
É exatamente nesse espaço de conflito: a sala de aula, que Santo vai se referir sobre a efetivação do processo ensino-aprendizagem no que tange à comunicação de conteúdos padronizados, e que por sua vez, os transgrediu quando era professor de religião ao refletir sobre o chamado “católico brasileiro”, fruto de uma preparação de fiéis desligados de seu cotidiano.
“Assim propunha ao grupo de trabalho que hoje estaria muito próximo da chamada Teologia da Libertação ou das Comunidades de Base na qual o aluno primeiramente tomaria consciência de sua condição de pessoa humana, presente em um mundo ainda injusto, onde os direitos fundamentais não eram respeitados. Uma vez desenvolvida essa reflexão, seria trazida ao educando a liberdade pessoal de optar por uma religião que tenha como proposta fundamental a Jesus Cristo, que, exatamente, pregava a construção de uma sociedade justa, elaborada de forma consciente e fraterna (...)” (Ibidem, 1996, p. 49-50).
Esse autor se contrapõe à idéia de conteúdos impostos pelos currículos escolares, uma vez que ele incorpora uma dimensão política. E o que se espera é que o professor no ambiente sala de aula, não seja um reprodutor de ideologias dominantes. Pelo contrário, nesse espaço o professor deve estimular a dimensão sentir/pensar/agir, ampliando a visão de mundo de cada educando, de modo que, a sua postura enquanto cidadão esteja voltado para a dialética da reflexão-ação e da ação-reflexão. Esta pode ser uma das performances do professor crítico-dialógico em sua docência.
Ainda sobre a sala de aula, Stephen Kanitz (2000), administrador de empresas, escreveu um ponto de vista à Revista Veja, no qual ele trata de sua experiência em sala de aula como aluno. Ele diz: “... nossas salas de aula geram alunos intelectualmente passivos, e não líderes: puxa-sacos, e não colaboradores. Elas incentivam a ouvir e a obedecer, a decorar, e jamais a ser criativo” (p. 23).
Ele informa que quando estudou administração de empresas no exterior, a sala de aula era construída como anfiteatro, onde os alunos ficavam num plano acima do professor, não abaixo. Eram construídas em forma de ferradura ou semicírculo, de tal sorte que cada aluno conseguia olhar para os demais. O objetivo não era a transmissão de conhecimento por parte do professor, esta é a função dos livros, não das aulas.
Ele ainda argumenta que no Brasil, nem sequer olhamos no rosto de nossos colegas, e quando alguém vira o pescoço para o lado é chamado à atenção. Ele supõe que talvez seja por isso que tão poucos brasileiros escrevem e expõem suas idéias. “Todas as nossas reclamações são dirigidas ao governo – leia-se professor – e nunca olhamos para o lado para trocar idéias e, quem sabe, resolver os problemas sozinhos” (p. 23). É preciso revolucionar a sala de aula como espaço de conflito.
Augusto Cury (2000), em sua obra: O mestre da sensibilidade, volume 2 da coletânea: Análise da Inteligência de Cristo, diz:
“Três a quatro anos que os alunos ficam enfileirados passivamente nas salas de aula no ensino fundamental são suficientes para causar um rombo no processo de formação de suas personalidades. Eles nunca mais conseguirão, sem despender um custo emocional alto, levantar suas mãos em público e expor suas dúvidas. O fato de os alunos não serem colocados como agentes ativos do processo educacional trava a criatividade e a liberdade de expressão de pensamentos, mesmo quando estiverem na universidade ou cursando mestrado e doutorado” (Ibidem, 2000, p 14).
Portanto, se o professor é crítico-dialógico, ele há de proporcionar mudanças de comportamento, tanto de si mesmo como também dos seus alunos, para bem ocuparem os espaços sociais a partir da sala de aula. Um desses espaços é a biblioteca universitária, não só do ponto de vista físico, em que se toma contato direto com a literatura, mas também da modernização desta pelas tecnologias da informação e comunicação como espaço pedagógico, tanto para o professor como para o aluno.
Souza lamenta que:
“Inclusa em círculo vicioso, a biblioteca não faz parte, formalmente, das políticas públicas, dos projetos políticos-pedagógicos, dos currículos das disciplinas, dos planos de ensino, dos conteúdos” (SOUSA, 2007, p. 15).
E, isto se torna mais evidente na medida em que os programas de cursos raramente, incluem sequer, uma visita dos alunos à biblioteca da própria faculdade, visto que as atividades programadas, quase sempre, acontecem estritamente na sala de aula, não sobrando tempo para o aluno exercer a sua função de estudante-pesquisador. Complica mais ainda para o aluno-trabalhador que pouco dispõe de tempo extra e de biblioteca aberta para atendê-lo. Vale ressaltar que, muitos trabalhos acadêmicos carecem do mentoreamento do professor, devido à natureza e complexidade dos mesmos.
2.7 – A apropriação do conhecimento
É de suma importância a apropriação do conhecimento, não apenas numa perspectiva epistemológica, mas como patrimônio construído pela própria humanidade. O problema é que muitos professores ainda estão convencidos de que é ele o “porto seguro” do aluno em sala de aula, como aquele que é detentor do saber. O que contradiz a formação do espírito científico do educando, – sendo-lhe prejudicial, conforme declara Bachelard (2001) em sua obra: A formação do espírito científico:
“É no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. É aí que aparecem causas de estagnação e até de regressão, causas da inércia às quais serão chamadas pelo nome obstáculos epistemológicos. (...) No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização” (BACHELARD, p. 37, 2001).
Sabe-se, portanto, que a escola é apenas um dos lugares onde se dá o processo ensino-aprendizagem, e de que, muitos dos alunos que freqüentam um curso superior já têm outras formações, outros conhecimentos, tem um currículo que lhe é próprio e precisa ser respeitado ou até compartilhado pelo docente e pela instituição de ensino. Isto implica na valorização do arcabouço cultural do aluno, consubstanciado por ele historicamente, – dimensão que lhe despertará seu sentimento de utilidade, consoante a sua imaginação e criatividade, que por sinal, são elementos imprescindíveis à prática científica.
Principalmente no nível universitário onde a clientela já se caracteriza muito heterogênea, mais madura, e mais experiente do que a clientela do ensino fundamental e médio.
2.8 – A avaliação do aluno na sala de aula
A avaliação é uma etapa muito importante do processo ensino-aprendizagem, como tal, envolve aquele que ensina e aquele que aprende. É por sua natureza muito complexa por envolver, quase sempre, o juízo de valor, tanto por parte do avaliador como do avaliado. Este último, muitas vezes, se sente injustiçado diante do método avaliativo, a exemplo da aplicação de provas, as quais, por vezes, têm servido até como instrumento disciplinador e de punição ao estudante.
Na educação tradicional esta foi sempre uma questão muita controvertida por parte daqueles teóricos que não concordavam com o modelo racionalista de aplicação de “provas” que intencionavam à verificação de conteúdos padronizados e internalizados pelos estudantes, forçando-os a corresponderem com a cultura do “decoreba”. O que levavam a algumas confusões, do tipo, se os alunos respondiam as informações que foram comunicadas, assim, estes poderiam ser considerados como bons alunos.
No entanto, atualmente já se pode contar com alguns avanços nessa perspectiva, porém, ainda muito tímidos, se se levar em consideração que no Ensino Superior a grande maioria dos docentes não está devidamente preparados e habilitados do ponto de vista didático. Isto em função da formação tradicional que tiveram, e tende a resistir às novas possibilidades e desafios de uma cultura avaliativa que leve o discente à sua superação enquanto estudante e enquanto pessoa.
Como exemplo, faz-se importante destacar, concretamente, a discussão que se estende em todo o país sobre os cursos de Direito, principalmente pela manifestação da OAB sobre a qualidade formativa dos futuros profissionais graduados em Direito que, em grande parte, saem das Instituições de Ensino Superior (IES), sem, contudo, serem capazes de lograrem êxito nos exames de filiação da Ordem, para galgarem a devida habilitação para o exercício da advocacia.
O Jornal A TARDE, Salvador-Bahia, nº 32.320, Edição de quinta-feira, 04/10/2007, p. 9, veiculou uma reportagem sob o título: “Mais rigor com os cursos de direito”. Em síntese a referida reportagem trata da baixa qualidade dos cursos de Direito, do número crescente de faculdades, bem como do baixo índice de aprovação nos exames da OAB. Por outro lado, faz menção ao projeto-lei aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara Federal, que proíbe a realização de vestibular por faculdades de Direito que tenham baixo percentual de aprovação no exame da Ordem. Essa é uma das medidas para promover o aperfeiçoamento dos 1.080 cursos de Direito existentes no Brasil.
Para o presidente da OAB/Bahia em exercício, Vitalmiro Cunha o projeto é elogiável. No entanto, defende que a aplicação precisa ser antecedida por avaliações aprofundadas para que os estudantes não sejam prejudicados. Em suas palavras “O MEC autoriza a abertura de graduações sem limites e depois quer controlar a qualidade”.
Diferentemente do ponto de vista da reportagem referida, o problema da qualidade do ensino nos cursos de Direito, não tem relação direta com a quantidade de cursos. (grifo nosso). Se há mais cursos, mais faculdades, pode se afirmar, em tese, que isto é positivo, pois gera oportunidades de acesso para quem deseja determinados cursos. Os problemas parecem ser outros. Logo cabe a seguinte questão: os professores dos cursos de Direito logram a devida competência didático-pedagógica para ministrarem aulas utilizando adequadas ferramentas?
Entendendo de que o baixo rendimento dos estudantes de Direito em sua complexidade podem envolver diversos aspectos pedagógicos, didáticos e institucionais, como a metodologia adotada pelo docente na sala de aula, no que se refere ao processo ensino-aprendizagem, a apropriação do conhecimento, bem como de elementos contextualizantes à sala de aula, – como: o projeto político-pedagógico, o planejamento de ensino e o curricular, – é que se pode ponderar sobre a qualidade do ensino. Estas, sim, são dimensões relevantes que devem ser inclusivas de participação dos alunos.
Por outro lado, quem sabe, seja este um ponto justificável para uma pesquisa de campo, onde se possa constatar os problemas da educação a partir das causas – situações concretas, não só para o curso de Direito, mas também para outros cursos, visto que do ponto de vista teórico, já se sabe, e, estão nos livros e até em algumas pesquisas, a compreensão de que os problemas da qualidade do ensino, sempre envolvem o docente e o discente. E isto pode ser tanto no nível do planejamento institucional, planejamento curricular, projeto político-pedagógico, e os didáticos, – voltados mais especificamente à prática docente, – como o planejamento de ensino, o plano de unidade, o plano de disciplina e plano de aula.
Sabe-se, portanto, por exemplo, de que a problemática no campo educacional se estende por toda parte (desde os administrativos aos didático-pedagógicos), visto que a Educação sempre envolve uma dimensão política, como tal, envolve fatores ideológicos, sejam na iniciativa pública ou privada. E, as resistências às mudanças também são comuns. Basta dizer, que na prática, não acontece essa autonomia emancipatória desejável que muitos autores referem-se. A participação democrática dos alunos, na atualidade, tem sido também, muito tímida, e a imprensa tem mostrado essa lenta e esporádica movimentação dos estudantes, de modo geral, em todo o país. Hoje se manifestam muito mais pelo passe escolar do que qualquer outra coisa.
Os alunos não se reportam aos tipos de avaliação aplicada em sala de aula; por outro lado, os professores demonstram não terem interesse pela avaliação diagnóstica, formativa, somativa/cumulativa, preferem mesmo os já conhecidos testes, provas, e alguns trabalhos escritos distantes das normas científicas – a ABNT. Cabe então dizer, que essa avaliação continuada que muitas escolas dizem fazer parte do seu projeto pedagógico, é apenas utópica. O que o autor desta monografia argumenta, conhece na prática, não só como docente, mas também como discente ao longo dos anos.
CAPÍTULO III
PROPOSIÇÕES SIGNIFICATIVAS
3.1 – A concepção “bancária” de educação e a educação problematizadora
O conceito “bancário” de educação na reflexão do educador Paulo Freire, no seu livro Pedagogia do Oprimido (1997), evidencia-se em mostrar o educador como o sujeito centralizador do ato educativo. O binômio ensino-aprendizagem nessa concepção enfatiza prioritariamente o ensino. Nele os alunos são compelidos à memorização mecânica do conteúdo narrado e, conseqüentemente, transformados em recipientes ou vasilhas que precisam ser cheios pelo professor. Nessa perspectiva “bancária” de educação, quanto mais os recipientes são cheios, tanto melhor os alunos serão.
Este tipo de educação reduz a aprendizagem a uma única opção: a de receber os depósitos, que são os conteúdos programáticos de ensino os quais devem ser guardados, ou melhor, memorizados e arquivados no subconsciente para onde foi transferido. Freire diz que “na visão bancária de educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber (...) Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que não sabem, cabe àqueles dar, entregar, levar, transmitir o saber aos segundos”, sobre esse paradoxo ele afirma:
“Educador e educando se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros... busca esperançosa também” (FREIRE, 1997, p. 58-60).
Assim pensando, Freire em sua análise crítica ao fenômeno da concepção “bancária” ora identificada, entende a educação como “... o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos”... (p.59). Conseqüentemente, a sua percepção é que esse modelo reflete a sociedade opressora, como dimensão da “cultura do silêncio” em manter e estimular a contradição. Nessa linha de raciocínio entende-se aqui que o educador se torna antidialógico, – suprimindo a criticidade de sua relação com o aluno no processo ensino-aprendizagem em função do saber.
Freire entende que existem diversas contradições na educação tradicional. Tal educação, apesar dos avanços, está presente nos diferentes níveis de escolaridade, seja da iniciativa pública ou particular. Esse modelo tende a perdurar por muito tempo, desde o ensino fundamental e médio ao superior, conforme as estatísticas do próprio IBGE. Situação que demonstra a ausência de investimentos expressivos em todas as áreas da Educação. Freire (1997), então, cita quais são essas contradições:
a) O educador é o que educa; os educandos, os que são educados;
b) O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) O educador é o que pensa; os educandos os pensados;
d) O educador é o que diz a palavra, os educandos, os que a escutam docilmente;
e) O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição;
g) O educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atua, na atuação do educador;
h) O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nessa escolha, se acomodam a ele;
i) O educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à dos educados; estes devem adaptar-se às determinações daqueles;
j) O educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos meros objetos (p. 59).
Por outro lado, a concepção de educação problematizadora sugerida por Paulo Freire (1997), em resposta a aprendizagem “bancária”, diz que (...) “a concepção “bancária” nega a dialogicidade como essência da educação e se faz antidialógica; para realizar a superação, a educação problematizadora – situação gnosiológica – afirma a dialogicidade e se faz antidialógica” (FREIRE, 1987 p. 68). Segundo este autor, sua premissa é uma educação fundamentada no amor ao próximo.
Portanto, esta concepção, evidentemente, pode ser considerada como um determinante da ordem social vigente em manter o status quo ideológico da relação dominador-dominado presente no sistema educacional que interessa politicamente à classe dominante. Por outro lado, só o fato de se constatar o estímulo à ausência, em parte ou em sua totalidade, dessa concepção (“bancária”) no ambiente sala de aula, já se pode configurar um ponto de aproximação de uma pedagogia crítica.
3.2 – A formação profissional do docente
A formação profissional do docente do Ensino Superior é um diferencial de fundamental importância para que a ação educativa do docente em sala de aula produza efeitos não excludentes, ou seja, o docente deve considerar o discente como um ser (um sujeito), dotado de potencialidades a partir de si mesmo como exemplo, – sejam elas de natureza biológicas, espirituais, cognitivas e afetivas. Condições estas que se dimensionam no tempo e no espaço.
Diante do mundo globalizado, no qual as tecnologias da informação e comunicação na Educação são refletidoras da necessidade de atualização do docente enquanto profissional do Ensino Superior, isto se justifica como uma necessidade inadiável. Enfim, constitui-se como desafio em busca não só do ser-mais, mas também do vir-a-ser, enquanto docente e enquanto pessoa que faz parte de uma sociedade em constante movimento. Este é o desafio do docente no contexto da estrutura educacional e social vigentes. Isto significa que:
“O professor do século XXI, deve ser um profissional da educação que elabora com criatividade conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade (...) os professores devem ser encarados e considerados como parceiros/autores na transformação da qualidade social da escola, compreendendo os contextos históricos, sociais, culturais e organizacionais que fazem parte e interferem na sua vida docente (...)” (http://pedagogia.brasilescola.com).
Conseqüentemente, alcançar a superação dos seus próprios limites é em última análise, a não descaracterização do outro (sujeito-humano-discente) que o cerca no dia a dia do magistério. E isto se constitui no crescimento pessoal desse profissional que faz do processo ensino-aprendizagem o seu meio de contágio e de se contagiar com aquilo que é significante à vida do ser humano. Nisto não cabe formulas mágicas, mas cabe o realismo profissional.
3.3 – Currículo oculto e o currículo oficial frente ao saber do aluno
Esta é uma questão muito séria! A depender de como se posiciona o ensino universitário, pode influenciar positiva ou negativamente no distanciamento de uma pedagogia crítico-dialógica. Está implicitamente no esboço da instituição educacional o “currículo oculto” e nisto estão de acordo a maioria dos estudiosos desse assunto, ao dizerem que, nesse tipo de currículo, incorpora-se os interesses unilaterais da instituição educacional a qual se posiciona como reprodutora do modelo de sociedade dividida em classes. Nele subjaz os pontos obscuros não percebidos em sua ideologia pelo alunado, e até pelos professores que muitas vezes, deixam-se contagiar pela relação dominante-dominado que interfere na esfera da Educação.
Sobre o currículo oculto, Maria José Lopes da Silva, o coloca como sendo um aspecto da função ideológica da escola. Segundo ela o discurso ideológico se caracteriza pelo ocultamento da divisão, da diferença, da contradição na medida em que oferece aos homens e mulheres a representação de uma sociedade homogênea, sem divisões, sem antagonismos, ainda que se ache totalmente dividida. Ainda no entendimento dessa autora:
“... a escola tem muita responsabilidade no fracasso escolar, na permanência da clientela no mesmo nível da hierarquia social e na fabricação de trabalhadores dóceis e conformistas. A educação serve para reforçar e produzir as divisões e injustiças sociais...” (http:// senac.br/informativo).
Como se não bastasse, o planejamento curricular institucional em seus objetivos é formatado com base no currículo oficial. Aí caberia à escola operacionalizar o seu currículo adaptando-o às situações concretas, ou seja, desenvolver uma política de planejamento curricular inclusiva, posicionando-se como uma instituição detentora de alternativas de mudanças. Mudanças que podem ser a partir da inserção do seu produto, os estudantes – para ocuparem enquanto cidadãos, os seus devidos espaços sociais, o mercado de trabalho, as relações com a família e com a sociedade.
O currículo consideraria o aluno como sujeito ativo, político, que já dispõe de um saber anterior à escola, – que seriam aqueles conhecimentos adquiridos antes da vida acadêmica e que, portanto, têm sua importância, mesmo àqueles ditos de senso comum ou ainda aqueles de natureza empírica. Assim, a instituição de ensino consideraria o aluno como o aluno-participativo diante da gestão democrática – aquele que vem à escola e culturalmente já é detentor de conhecimentos que para ele tem o seu valor. Neste caso, a escola precisaria entender e valorizar os níveis de conhecimentos dos estudantes. Pois mesmo no ensino fundamental, é comum a criança antes de ir à escola já dominar algumas operações matemáticas fundamentais, como: soma, subtração, multiplicação e divisão, sem que tenham conhecimentos livrescos e sem ter ido à escola.
Tais conhecimentos fazem parte do seu universo cultural, instituído ao longo de sua história de vida. E isto re-significaria conhecimentos já adquiridos e que deveriam ser considerados pela educação formal. Nisto se reafirmaria os valores e princípios adquiridos, tanto na família como na sociedade; sua experiência de vida e o espírito democrático seriam valorizados e a visão de mundo se ampliaria em sua formação acadêmica.
3.4 – Os níveis do planejamento
São instancias fundamentais da Educação em todos os níveis, desde o ensino fundamental ao superior. 1. Planejamento educacional – 2. Planejamento institucional – 3. Planejamento curricular – 4. Planejamento de ensino – 5. Plano de disciplina. Esses são os passos que precisam existir, para que as instancias dos níveis do planejamento de ensino aconteça.
Portanto, compreende-se a partir daí, que se essas etapas, de algum modo, se forem negligenciadas em seus cumprimentos e envolvimentos dos estudantes universitários, haverá indiscutivelmente o distanciamento técnico de uma pedagogia crítico-dialógica.
Caso essas etapas sejam construídas, possibilitarão, inclusive, a compreensão do que existe de filosófico, ideológico e ético nas entrelinhas e na intersubjetividade dos processos. Por isso de suma importância.
3.5 – A avaliação e sua tríplice dimensão
A avaliação pode ser entendida como um processo benéfico ou maléfico ao estudante, a depender das circunstancias que o envolve. Quando benéfica o estudante reconhece-se como meio de promoção; quando maléfica, o estudante a reconhece como meio de puni-lo. Então o que fazer para que a avaliação não se torne um meio de distanciamento de uma pedagogia crítico-dialógica?
Levando em consideração a delicada arte de avaliar alguém, algumas questões precisam ser consideradas: o que deve ser avaliado do aluno, como deve ser avaliado e para que ser avaliado. Estas três questões são colocadas pelos estudiosos em suas discussões. Sem querer responder a elas, e sem entrar no mérito das diferentes concepções sobre a avaliação e seus pressupostos, alguns problemas são relacionados pelos autores quando se trata dos fundamentos da didática, a exemplo da falta de clareza conceitual, equívocos entre o ato de medir e avaliar, ausência de critérios não arbitrários e utilização da avaliação como instrumento disciplinador do aluno, etc.
Portanto, faz-se necessário entender que quanto à importância da avaliação sempre envolve o juízo de valor. Assim sendo, a avaliação teria melhor sentido, e mais coerência, se abrangendo as instâncias quíntuplas do processo avaliativo, ou seja: – quando realizada pelo professor ao aluno; quando o professor cria possibilidades para a prática da auto-avaliação; bem como se permite ser avaliado pelo seu aluno; pela avaliação institucional por parte do docente e o discente; e por último a avaliação externa: – através da comunidade e órgãos fiscalizadores do governo. Assim, a avaliação teria o seu papel, diagnóstico, formativo e somativo/cumulativo, visto que se estaria considerando não só a quantidade, mas também a qualidade da aprendizagem – conseqüentemente, a postura do mestre com relação à avaliação próspera do estudante, e da recuperação, como sendo uma etapa do re-aprender e do aprimorar os conhecimentos, jamais de exclusão ou reprovação do aluno.
Nisto envolve-se os fins da educação, o contexto que se insere, a concepção de homem, de sociedade e de mundo, não só por parte do professor, mas também do aluno. Pois é a partir da postura pedagógica do docente e da postura do discente frente ao poder instituído, que pode ou não haver mudanças significativas, transformadoras ou não dos contrastes que envolvem o discente e o docente no âmbito da justiça social.
3.6 – A perspectiva dialógica em Freire e a interdisciplinaridade
No campo educacional, tradicionalmente a comunicação tem apresentado um caráter linear, impositivo e monológico. Para Bakhtin, monologia é a qualidade dos discursos autoritários em que um único sentido sobressai impedindo que os demais venham à tona; as partes são dicotomizadas em emissor (enviário da mensagem) e receptor (receptáculo acrítico do primeiro). Na prática, os discursos prontos (monólogos) vindo de um emissor contradizem a interatividade e a criatividade tão necessárias ao ser humano. Desta forma a língua passa a ser um instrumento de reprodução do sitema vigente.
Freire (1987) critica o monologismo da comunicação, quando afirma que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou construção. Para ele ensinar exige criticidade e respeito à autonomia do educando. Caso contrário far-se-á comunicados, extensão e invasão cultural e não uma verdadeira comunicação. Segundo ele:
“O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes” (ibidem, 1987, p. 79).
Assim, pode se entender que é a partir da compreensão do conceito de interdisciplinaridade, como questão gnosiológica, que surgiu no final do século passado, pela necessidade de dar uma resposta à fragmentação causada por uma epistemologia de cunho positivista quando as ciências haviam se dividido em muitas disciplinas, que a perspectiva interdisciplinar começou a se afirmar. Por sua vez, tenta restabelecer pelo menos, um diálogo entre elas, embora não resgatasse ainda a unidade e a totalidade do saber.
A interdisciplinaridade visa garantir a construção de um conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas. Assim, a idéia de diálogo não deveria ser restrita a integração de conteúdos, portanto, seria preciso atitude e uma postura interdisciplinar. Isso significa dizer que o diálogo não é só entre as diversas áreas do conhecimento, visando um conhecimento globalizante, mas também entre os indivíduos que interagem e se comunicam.
A atitude interdisciplinar ajuda o homem a viver diante do drama da incerteza e da insegurança que lhe é próprio pela natureza finita que o acompanha em sua existência. No livro Pedagogia do Oprimido, Freire coloca que: “Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles um novo pronunciar” (FREIRE, 1987, p. 78).
A interdisciplinaridade, atualmente, está sendo tratada como a solução para o restabelecimento de uma nova ordem na educação-ensino, no país. Por outro lado, a solução para os problemas educacionais em seu significado de reciprocidade, de mutualidade, pressupõe atitudes diferentes a ser assumida diante de concepções fragmentárias para uma concepção unitária de ser humano. Freire (1987) considera essencial que o educador dialógico, atuando em equipe interdisciplinar, contribua para problematizar esse universo temático. Para tanto, vale considerar sua recomendação: Dizer a palavra – que é também trabalho, que é práxis, é transformação do mundo – não é privilégio de alguns, mas direito de todos.
“(...) o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu (...) Por isto o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos permutantes (...) Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos o que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patológico de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não” (Ibidem, 1987, p. 78-80).
Portanto, conclui-se que o diálogo é historicamente o meio indispensável para a adoção e concretização de perspectivas interdisciplinares, principalmente no campo da Educação.
3.7 – Aspectos coadjuvantes à prática docente crítico-dialógica: identidade e integridade
3.7.1 – Identidade do docente?
Este não é um assunto que se define como ponto de partida e nem de chagada, mas uma condição meio para que o docente alcance os fins do seu ofício com a segurança de que precisa para realizar a sua missão de educador. Para tanto, a sua identidade constitui-se de suma importância como ser relacional, visto que a identidade de cada um de nós, tem de ser definida em relação a outros seres humanos.
O filósofo judeu contemporâneo Martin Buber (1979), afirmou que “No princípio era a relação”. Buber se tornou conhecido como o filósofo do diálogo, por sua ênfase sobre o caráter relacional do ser humano. No famoso ensaio em que expressa o melhor da sua filosofia dialógica – Eu e Tu – Matins Buber fala de dois tipos fundamentais de relação. Em primeiro lugar a relação eu – tu, que descreve o encontro com pessoas, isto é, a relação de um indivíduo com outro individuo, que potencialmente possui as mesmas características de pessoa. O outro tipo fundamental de relação descrita por Martin Buber é a que ele chama de relação eu – coisa, ou eu – isso. Esse é o modo como se relaciona com o mundo material dos objetos; o mundo das coisas.
Ao refletir sobre o pensamento desse grande filósofo judeu contemporâneo, percebe-se que o verbo amar deve ser a palavra apropriada para descrever o primeiro tipo de relação, ou seja, a relação entre pessoas; o segundo tipo de relação é o verbo usar. Isto significa que se deve amar as pessoas e usar as coisas. Esta compreensão é fundamental para que não haja inversão nesta ordem. Se isto acontece, perde-se a noção de dignidade humana e dos valores transcendentes da vida.
Já se disse que a família, a escola e a religião estão em crise, e que por isso a sociedade não vai bem. Consoante a esses aspectos, o tipo de função que o homem exerce na vida e na sociedade é determinada pelo tipo de relação que ele mantém com o seu universo significativo. Nessa linha de pensamento a questão – Ter ou Ser – domínios estes estudados por Erich Fromm, sendo a representação do ter, uma obsessão, principalmente na civilização ocidental; já o domínio do ser é hoje considerado um valor superado.
Nesse contexto, como fica a questão da identidade do docente enquanto pessoa e enquanto educador? É a partir da compreensão de si mesmo, de sua história, das condições e contradições em que vive e de como se retrata ao mundo, que o educador, precisa afirmar-se em sua superação diante do outro. Vez que para isto a interatividade, dialeticamente, pode representar um modo de agir e solucionar problemas. Jamais atitudes de isolamento. Como se referiu o próprio Freire –, os homens crescem juntos, – juntos eles alcançam a superação de si mesmos, não só para decodificar o mundo, mas numa perspectiva emancipatória, procurando compreender-se e deixar-se ser compreendido diante de um mundo de significados a serem desvelados. Isto vai muito além do exercício de dar aulas.
A identidade de cada um de nós deve ser definida em vários níveis, que expressam nossas relações com o mundo significativo no qual existimos. Faz-se necessário, então, que o educador numa postura filosoficamente antropológica fundamental, responda: Quem sou eu? A resposta envolve todo o seu caminhar por pistas de mão-dupla em que não só a sua compreensão será, em última análise, considerada, mas também a consideração de que o outro tem a dizer e a contribuir em busca de respostas que o envolve não apenas como educador, mas como sujeito cognoscente – aquele que se depara com o seu objeto de conhecimento – o mundo. Assim, a possibilidade da interdisciplinaridade, pode representar em sua intersecção com as diversas áreas, um mapeamento de ações e reflexões em que o indivíduo encontra-se com o outro no mundo para com ele interagir.
Nesse sentido não cabe, não é louvável ao educador ser excludente de qualquer área do conhecimento que lhe possa contribuir, de alguma forma, para o seu crescimento pessoal. Neste pensar é preciso abster-se de preconceitos. Investigando todas as áreas que lhe tragam alguma contribuição, seja da área filosófica, antropológica, teológica, psicológica, sociológica, ou qualquer outra. Educador deve ter a palavra e pensar a palavra. Isto sem dúvida, o ajudará a se conhecer melhor e a se posicionar reconhecendo a sua finitude diante do não-ser. Assim, ele poderá melhor se situar no seu livre-arbítrio. Veja o que diz o filósofo-teólogo Tillich (1984) em sua celebre obra, Teologia Sistemática:
“Mas o homem, que tem um eu completo e um mundo, é o único ser que é livre no sentido de deliberação, decisão e responsabilidade. Portanto, liberdade e destino podem ser aplicados à natureza humana só na forma de analogia; isto se assemelha à situação com respeito à estrutura ontológica básica e as outras polaridades ontológicas” (TILLICH, 1984, p. 159).
Portanto, é conclusivo dizer e somente dizer, que o educador em função de sua identidade, precisa tomar decisões e assumir responsabilidades independentemente de suas crenças, ou das crenças daqueles que estão à sua volta, e, nisto envolve a sua razão e a sua emoção, consciente de que há valores que estão no nível da transcendência, quer o homem aceite ou não, quer acredite ou não. O importante é reconhecer-se como pessoa – um ser concreto que possui uma alma – uma dimensão espiritual e transcendental. Assim sendo, é aí na medida do seu-ser que reside a sua identidade e que nela deve conter o seu grifo, o seu reconhecimento, para em fim, bem-conviver com o mundo a reconhecê-lo como o é.
Tillich (1984) ao referir-se sobre o esquema causal, diz que:
“A causalidade não é removida nem pela indeterminação dos processos sub-atômicos, nem pelo caráter criativo dos processos biológicos e psicológicos. Nada neste reinos ocorre sem uma situação precedente ou sem uma constelação que é sua causa. Nada tem o poder de depender de si mesmo sem um nexo causal; nada é “absoluto”. (...) o homem é uma criatura. Seu ser é contingente; de si mesmo ele não tem necessidade. Portanto, o homem percebe que ele é presa do não-ser (...)” (Ibidem, 1984, p. 167, 168).
Talvez a premissa seja a felicidade que o educador busca ao reconhecer-se enquanto pessoa no mundo que precisa amar e ser amado. Esta, certamente irá muito além do seu estrito ofício de ensinar, de transmitir conhecimento, mas de identificar-se como um “missionário”, um “vocacionado” para o processo ensino-aprendizagem. Mas este individuo talvez esteja em extinção. Assim, o educador deveria não perguntar-se sobre a sua função; ao contrário, a sua visão de mundo, de homem, de sociedade, o conduziria em sua missão às realizações de curto e a longo alcance. Talvez o docente precise ser apenas gente, – que pensa e ama para que a sua função aconteça.
3.7.2 – Integridade do docente
Inicialmente, é preciso deixar claro que o uso do termo, no contexto aqui empregado, não tem necessariamente conotação ética ou moral. O uso da palavra aqui tem sentido psicológico, significando a unidade funcional do eu. Integridade é, portanto, um conceito muito profundo em seu significado, particularmente quanto ao equilíbrio emocional do homem.
Nesse contexto de integridade do ser humano, no que se refere ao equilíbrio da emoção, Augusto Cury (2001) diz que:
“Precisamos aprender a conhecer o mundo da emoção para cultivar a felicidade. O mundo evolui com uma velocidade espantosa. A cada dez anos o conhecimento se multiplica derrubando mitos. Antigas “verdades” científicas perdem crédito e são abandonadas. Novas idéias substituem as anteriores. Tudo está tão veloz! Será que a emoção pode caminhar na mesma velocidade? Não! A felicidade é amiga do tempo. É preciso treinar a emoção para ser feliz” (CURY, 2001, p. 11).
Erik Erikson (1959), em sua famosa teoria de evolução psicológica do ser humano, apresenta oito estágios do desenvolvimento do homem, em termos do conceito de fase crítica, mostrando que em cada período da vida há uma crise psicossocial de ajustamento. Ele explica que esses estágios são invariantes, qualitativamente diferente e preparatórios no sentido de que um lança as bases para o outro. Ou seja, os ajustamentos num estagio anterior facilitam os ajustamentos no estagio seguinte.
Segundo Erikson (1959), a ultima fase do processo evolutivo do homem, que é a velhice, caracteriza-se por integridade ou por desespero. A pessoa que não atingiu o grau adequado de ajustamento em fases prévias da vida, ao chegar à velhice pode sentir-se completamente frustrada. Se por outro lado, os ajustes prévios forem feitos adequadamente, o indivíduo pode alcançar o senso de integridade. Sendo assim, o educador, por sua vez, não deve se descuidar, a ponto de olhar para trás e verificar que não alcançou o que gostaria de ter alcançado. Quando isto ocorre a pessoa se desespera, enche-se de remorso e de ressentimentos e pode se tornar amargurado e insatisfeito com tudo neste mundo.
Faz-se importante ao educador, levantar quais fatores são determinantes de sua integridade psicológica. Talvez essa busca seja o ponto-chave do sucesso daquele que busca os elementos integrantes ao seu eu. E, isto é algo variável e relativo, porém, tem haver com o grau de importância atribuído ao valor desses fatores. Nessa perspectiva, é sempre importante ao educador o não-descrédito à perspectiva de uma compreensão interdisciplinar.
Portanto, entende-se em primeiro lugar, que a integridade do eu do educador é uma dimensão sobre a qual várias vertentes podem trazer alguma contribuição. Teologicamente dir-se-á que o homem encontrou um summum Bonum que dá sentido à sua existência, impulso e direção a seu viver, de modo que a probabilidade de adquirir o senso de integridade na vida é muito mais possível. Do ponto de vista da fé cristã este bem supremo é o Cristo. O encontro com ele transforma a nossa vida, dá novo impulso e direção e nos ajuda a viver de modo integro e coerente.
Assim, convém ao educador definir a sua integridade funcional do seu eu em termos de comportamento. Deste modo, estaria abandonando as coisas supérfluas em detrimento das essenciais. Em segundo lugar, a integridade psicológica se expressa comportamentalmente através daquilo que Sören Kierkegaard (1948) chamou de “pureza de coração” como sendo “querer uma só coisa”. O problema é que como seres humanos, é evidente o fato de que nossa vontade é múltipla. Quase sempre somos puxados em várias direções ao mesmo tempo, jamais conseguindo essa unidade de propósitos numa direção única do viver.
Ao educador cabe entender que não se alcança a integridade quando se busca o bem somente “até certo ponto”. A busca do bem é algo que abrange a totalidade de nosso ser. Finalmente, a integridade do eu se expressa comportamentalmente através de uma filosofia adequada de vida. Ou seja, é aquela que admite a finitude e a própria ambigüidade da existência humana. Em outras palavras, o educador em sua identidade humana, cônscio da sua integridade – cumpre sua missão, – independentemente de como está a Educação, pois entende que na qualidade de docente pode ser melhor, apesar dos seus limites e das ambigüidades da vida.
3.8 – Uma visão “holística” do ser humano
Assim como já foi dito sobre a importância e significado da identidade e integridade do docente, não é menos significativo compreender a dimensão do homem enquanto ser “holístico”, porém, se fará isto a partir da definição do termo.
A palavra que já é conhecida e empregada em diversas áreas do conhecimento, como na área teológica, filosófica, psicológica, médica, educacional, etc. tem significado bastante abrangente por recolocar o homem numa perspectiva de ser antropológico. Portanto, o educador não deve esvair-se da compreensão extensiva do termo que bem se aplica ao ser humano de modo geral. Nesse particular, estão docentes e discentes. Portanto, entende-se aqui, ser relevante ao professor não perder de vista que ele e seus alunos são pessoas holísticas.
Para explicar a importância do termo, o autor americano Paul E. Johnson, em seu livro: Psicologia da Religião (1964, p. 239), mostra que a palavra inglesa “whole”, se refere a íntegro, a curar e a inteiro, – mostra a idéia original de heal – curar, referindo-se a whole, todo, inteiro, integral. Daí, a idéia original de curar, abranger o todo do ser humano, seu físico, sua mente, seu espírito e seu contexto social. Assim, entende-se ser de suma importância para o docente, compreender que a sua estrutura: corpo, alma e espírito, em igualdade com a estrutura do discente, precisam de cuidados para que não adoeçam. Esta percepção é justificável pela própria natureza quase “sacerdotal” do seu ofício. Portanto, o educador que se diz crítico-dialógico não deve se descuidar de sua saúde física, psicológica e espiritual na sua interatividade com o estudante, com a família e com a sociedade.
Pois é a partir de compreensões como estas que o educador estará re-significando o seu papel em detrimento de sua missão, a partir da autocompreensão, da compreensão de quem é o seu educando no contexto que o envolve, uma vez que todos os indivíduos fazem parte da engrenagem que move o mundo. Assim, educador e educando, podem conviver e caminhar juntos numa perspectiva holística de ser-humano, ainda que haja adversidades.
CONCLUSÃO
A prática docente crítico-dialógica constitui-se numa possibilidade de mudanças a uma prática docente que já existe, porém, em seu esboço, precisa encontrar-se no contexto de uma pedagogia crítica.
O autor deste trabalho acadêmico procurou em sua autenticidade e originalidade, lançar o seu olhar para a prática docente que acontece no espaço sala de aula. Para tanto, caminhou com alguns autores, singularmente, Paulo Freire. Entendendo que nesse espaço é possível implementar mudanças significativas a partir da postura crítica e dialógica entre docentes e discentes.
A percepção que se teve foi de que o educador não só pode se deixar mudar para melhor, como também, acreditar que o educando é receptivo a mudanças. Ainda que estas tenham limitações no tempo e no espaço, por influências de forças políticas delimitadoras do desenvolvimento da Educação Superior. Neste sentido, se encontra a legislação educacional, porém, existe o espaço do contraditório como possibilidade real de se combater uma ideologia com outra ideologia, mesmo dentro da estrutura institucional estabelecida.
Portanto, acreditou-se aqui na possibilidade de autoconstrução do educador – o educador que se vê e ensina o seu educando a ver e a pensar o mundo no qual não está sozinho... – sendo ele um corpo que pensa, age e sente. Sente não só como sujeito cognoscente, mas também como objeto de conhecimento diante de um mundo complexo em constante desvelamento de suas dimensões – existência-essência versos essência-existência envolto de contrastes e mistérios do qual ainda há muito que se dizer...
A conclusão é de que “A Prática Docente Crítico-Dialógica”, se caracteriza não como técnica ou método, mas como o esforço e exercício do bem-fazer do docente no cumprimento de sua missão. Seu fim último, como educador, não se encerra na unilateralidade entre teoria e prática, entre o ensino e a aprendizagem, nem mesmo entre educador e educando, mas no despertar consciente de que educador e educando se constroem e se re-constroem como cidadãos críticos, dialógicos, interativos, criativos, autônomos e mais humanos, capazes de tomar decisões significativas, principalmente na amplitude da educação problematizadora.
Porém, isto só será possível na medida da dialogicidade, que segundo Freire, é a premissa da educação que é fundamentada no amor ao próximo. Portanto, esta compreensão horizontal freiriana, aponta para o amor ágape ou incondicional! Que também é transcendente! – e que segundo o Evangelho é o amor que o homem tem ao próximo como a si mesmo quando ele imita o Cristo da Cruz. É nesta perspectiva de educação que é possível ao ser humano a busca da sua completude.
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ANEXO 1
Reportagens
Jornal A Tarde – Salvador – Bahia – Brasil, quinta feira, 04 de outubro de 2007
Mais rigor com os cursos de direito
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara Federal aprovou projeto-lei que proíbe a realização de vestibular por faculdades de Direito que tenham baixo percentual de aprovação no exame da Ordem. Na Bahia, o índice de aprovados está em 52%, mas há estados como São Paulo, nos quais esse valor cai para até 8%.
Essa é uma das medidas para tentar promover o aperfeiçoamento dos 1.080 cursos de Direito existentes no Brasil. As ações envolvem o Ministério da Educação (MEC), quanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Congresso Nacional. Embora as demais áreas de formação, também careçam de melhorias, elas foram esquecidas nas discussões.
Para começar a valer, o projeto ainda precisa ser apreciado e votado pelo Senado, o que pode demorar. “Vou conversar com os senadores para dar celeridade, mas não posso precisar a votação. Tem propostas que levam 8 a 9 anos para serem apreciadas”, lamenta o autor do projeto-lei, deputado Lincoln Portela (PR-MG). Ao ser questionado sobre a exclusão dos demais cursos, Portela resolveu sugerir à consultoria legislativa uma avaliação sobre a possibilidade de incluí-los, tomando como base o resultado de exames feitos pelo MEC.
A discussão coloca em pauta, mais uma vez, a baixa qualidade de ensino jurídico oferecida no país. Para o presidente da OAB/Bahia em exercício, Vitalmiro Cunha, o projeto é elogiável. No entanto, defende que a aplicação precisa ser antecedida por avaliações aprofundadas para que os estudantes não sejam prejudicados. O presidente defende a necessidade de controle desde o surgimento do curso. “O MEC autoriza a abertura de graduações sem limites e depois quer controlar a qualidade”.
Para a educadora Lúcia Rocha, professora da Faculdade de Educação da Ufba, as avaliações de qualidade feitas pelo MEC deveriam servir para mudanças do ensino. “Elas não contribuem em nada. Os resultados deveriam servir para implementar políticas de melhoria da qualidade, mas o MEC não vai fazer isso para uma instituição particular”, pontua. Lúcia Rocha destaca ainda que as medidas deveriam ser entendidas para todos os cursos. Afinal, as exigências e discussões sobre qualidade do ensino superior sempre giram em torno do curso de Direito.
Na semana passada, por exemplo, o MEC determinou que 89 instituições com baixo rendimento no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e no Indicador de Diferença entre os Desempenhos observados e esperados (IDD) relativos ao curso de Direito especifiquem providências para superar deficiências. A partir deste mês, o MEC e a OAB começam a fiscalizar rigorosamente os cursos de Direito de todo país. O presidente em exercício da OAB/BA afirma que o órgão nada pode fazer em relação aos demais cursos, pois não se trata de sua especialidade.
Na Bahia, as graduações presenciais praticamente quintuplicaram nos últimos dez anos. De 180 em 1995, tem-se hoje 868, segundo o ultimo censo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Em Direito, o crescimento é ainda maior. No Estado já são 54 cursos, sendo que em 2000 eram apenas seis. A facilidade para abertura de cursos faz proliferar, inclusive, graduações com aulas de Direito somente no fim de semana como na Ages, na cidade de Paripiranga, interior da Bahia. “Não podemos permitir que essas situações permaneçam”, reitera Cunha.
ANEXO 2
Ponto de vista
Revista: VEJA, Edição 1671 – 18 de outubro de 2000
Stephen Kanitz
Revolucione a sala de aula
“Na vida você terá de ser aprovado pelos colegas e futuros companheiros de trabalho, não pelos antigos professores”
Qual a profissão mais importante para o futuro de uma nação? O engenheiro, o advogado, o administrador? Vou decepcionar, infelizmente, os educadores, que seriam seguramente a profissão mais votada pela maior parte dos leitores. Na minha opinião, a profissão mais importante para definir uma nação é o arquiteto. Mais especificamente o arquiteto de salas de aula.
Na minha vida de estudante freqüentei vários tipos de sala de aula. A grande maioria seguia o padrão usual de um monte de cadeiras voltadas para um quadro-negro e uma mesa de professor bem imponente, em cima de um tablado. As aulas eram centradas no professor, o “locus” arquitetônicos da sala, e nunca no aluno. Raramente abrimos a boca para emitir nossa opinião, e a maior parte dos alunos ouve o resumo de algum livro, sem um décimo da emoção e dos argumentos do autor original, obviamente com inúmeras honrosas exceções.
Nossos alunos, na maioria, estão desmotivados, cheios das aulas. É só lhes perguntar, de vez em quando. Alguns professores adoram ser o centro das atenções, mas muitos estão infelizes com sua posição de ator original, obrigado a entreter por cinqüenta minutos um bando de desatentos.
Não é por coincidência que somos uma nação facilmente controlada por políticos mentirosos e intelectuais espertos. Nossos arquitetos valorizam a autoridade, não o indivíduo. Nossas salas de aula geram alunos intelectualmente passivos, e não líderes; puxa-sacos, e não colaboradores. Elas incentivam a ouvir e obedecer, a decorar, e jamais a ser criativo.
A primeira vez que percebi isso foi quando estudei administração de empresas no exterior. A sala de aula, para minha surpresa, era construída como anfiteatro, onde os alunos ficavam num plano acima do professor, não abaixo. Eram construídas em forma de ferradura ou semicírculo, de tal sorte que cada aluno conseguia olhar para os demais. O objetivo não era a transmissão de conhecimento por parte do professor, esta é a função dos livros, não das aulas.
As aulas eram para exercitar nossa capacidade de raciocínio, de convencer nossos colegas, de forma clara e concisa, sem “encher lingüiça”, indo direto ao ponto. Aprendíamos a ser objetivos, a mostrar liderança, a resolver conflitos de opinião, a chegar a um comum acordo e obter ação construtiva. Tínhamos de convencer os outros da viabilidade de nossas soluções para os problemas administrativos apresentados no dia anterior. No Brasil só se fica na teoria.
No Brasil, nem sequer olhamos no rosto de nossos colegas, e quando alguém vira o pescoço para o lado é chamado à atenção. O importante no Brasil é anotar as pérolas de sabedoria.
Talvez seja por isso que tão poucos brasileiros escrevem e expõem suas idéias. Todas as nossas reclamações são dirigidas ao governo – leia-se professor – e nunca olhamos para o lado para trocar idéias e, quem sabe, resolver os problemas sozinhos.
Se você ainda é um aluno, faça uma pequena revolução na próxima aula. Coloque as cadeiras em semicírculo. Identifique um problema de sua comunidade, da favela ao lado, da própria faculdade ou escola, e tente encontrar uma solução. Comece a treinar sua habilidade de criar consenso e liderança. Se o professor quiser colaborar, melhor ainda. Lembre-se de que na vida você terá de ser aprovado pelos seus colegas e futuros companheiros de trabalho, não pelos seus antigos professores.